As perseguições de S. Paulo

O centro de São Paulo (visto de dentro do metrô Brás)

Desde que eu mudei de casa, o semi-confinamento se tornou um pouco mais leve, graças à facilidade do acesso para comprar comida e à redução do foco em me descontaminar com álcool, pois onde eu alugo agora os comércios mais próximos não exigem que eu saia com o verdadeiro cantil inflamável que eu tinha que levar onde eu morava, e como são menores (onde os balcões e prateleiras ocupam mais ou menos um terço do espaço, dividindo o espaço dos clientes e o dos funcionários), não acumulam tanta gente como é onde eu alugava – sem contar a vizinhança mais afeita às máscaras, o que diminui a sensação de ser visto como o louco paranóico da pandemia (o que devo ser mesmo, a julgar pela quantidade de álcool que eu vinha gastando, mas ser visto como o louco paranóico da pandemia é pior do que ser ele). Mesmo assim nada disso me encorajou a ir para o centro por causa da comemoração do aniversário da cidade.

É difícil aceitar que o assunto da comemoração tenham sido nem sei quais eventos em vez do cuidado e a proteção contra as aglomerações. Mesmo que se argumente que só se entra em algum lugar com o passaporte da vacina (e não sei se isso está sendo assim ou não), é uma forma sutil de negacionismo tratar o passaporte como um passe-ivre para aglomerações.

Mas o pior desde aniversário da cidade foram as notícias nas redes sociais do pe. Júlio Lancelotti sobre a remoção dos moradores de rua, junto com os seus pertences, de lugares como a Praça da Sé ou do Pátio do Colégio. Além de serem cotidianamente desumanizados pela ausência de políticas públicas decentes que resgatem a sua dignidade, esta desumanização se torna a única política pública que o governo oferece a eles de fato: sumam! – se bem que apenas mandar sumirem ainda seria menos pior do que o que foi feito: retirá-los à força de onde estão todos os dias sem se incomodarem com a sorte deles nos outros dias.

A dignidade que políticas públicas decentes resgatariam não seria apenas a dos moradores de rua, que afinal não tem a sua dignidade perdida e sim negada, mas resgataria a dignidade de um governo que, este sim, perde-a cada vez mais com este tipo de ação, e no caso do governo não é nem o resgate de uma dignidade negada, mas sim perdida justamente por negá-la a quem tem direito a ela.

A maioria dos santos é comemorada no dia em que morreu, e só de outros dois se comemora também o nascimento, além de Cristo: Nossa Senhora e João Batista. Apesar de Paulo também estar presente em uma outra comemoração em novembro, é uma comemoração dividida com Pedro e, de qualquer forma, meio indireta, já que o assunto dela é a dedicação de basílicas com os nomes deles. Esta do dia 25 de janeiro, no entanto, não é nem pelo nascimento nem pela morte de Paulo, mas pela sua conversão.

Com tantos significados religiosos e teológicos que esta conversão possui, talvez passe desapercebido que no fim das contas ele tenha virado o padroeiro desta cidade não por serem nomes capitais, seja na geografia ou no cristianismo, e sim pela questão da conversão – que no caso de uma cidade, não implica necessariamente uma conversão religiosa a Jesus, mas à simples humanidade que há em não perseguir Cristo, outrora perseguido nos cristãos por Saulo, e ainda hoje perseguido nos moradores de rua por São Paulo.