O problema não são as mulheres ou os homens, nem os homo ou os heterossexuais.
São as pessoas.
Veja bem: hoje em dia são necessárias cotas públicas, medidas de incentivo e leis especiais dirigidas especialmente à proteção das mulheres. É um absurdo – não que se tome essas atitudes, mas que elas sejam necessárias. É um sintoma de um fracasso coletivo. Nenhum fracasso é eterno, mas por enquanto é um fracasso remediado. E aí quem é responsável por isso? Os homens, machistas e violentos? Ou as mulheres, que querem tomar o lugar dos homens no mundo? Mas se os homens são machistas e violentos, pode ter certeza de que em 99% dos casos tinha uma mãe que, se não ensinou seu filhinho a ser assim, pelo menos permitiu que ele se desenvolvesse assim. E se as mulheres querem tomar o lugar dos homens no mundo, não é porque este lugar seja dos homens, e sim porque é um lugar de direito a qualquer pessoa. Tanto o machismo quanto um feminismo raso que nem merece o nome de feminismo (seria melhor chamá-lo de anti-feminismo*, na minha opinião) são coisas que se alimentam mutuamente: a força de um dá força ao outro, que reforça por sua vez o primeiro e daí por diante. Porque afinal de contas são farinha do mesmo saco.
Aí vem a homossexualidade verdadeira. “Eu sou homossexual!” funciona como uma declaração cultural, nacionalista, o chauvinismo do machismo transferindo-se para a homossexualidade. “Verdadeira” porque transformaram a sexualidade em certidão com firma registrada em cartório. Lésbica que é lésbica tem que mostrar que gosta de mulher, bicha que é bicha tem a obrigação de gostar de dar o cú. São dois exemplos pífios, eu sei: é claro que lésbica gosta de mulher e gay de dar. O problema não é esse porque nem toda lésbica tem que mostrar que gosta de mulher e nem todo gay tem obrigação de dar, mas a questão está aí! A heterossexualidade possui uma cultura heterossexual (por exemplo, basta entrar num site de horóscopo para ver se o seu signo combina com o de quem você está a fim, e está lá, “clique neste lado no signo do homem e do outro lado no signo da mulher em questão” ou algo assim. Se eu estivesse a fim de um cara, clicava onde na outra coluna?), e a homossexualidade decidiu que também tem que ter uma cultura própria, modos próprios: e assim assume a condição de gueto imposta por quem? Pela cultura heterossexual, que tem que deixar claro que é hetero. Uma escritora francesa escreveu que existe um pensamento hetero, que consiste na sobrevalorização da diferença: os opostos se atraem, coisas assim. E a homossexualidade consegue ser hetero porque faz de tudo para ser diferente, para afirmar sua sexualidade. Mas ontem mesmo não se dizia que um dos problemas do machismo era a necessidade dos machos de afirmarem sua virilidade? Seria mais útil afirmar o amor, os direitos das pessoas, o direito de comer e sobrar para amanhã e ter dinheiro para comprar mais depois, a liberdade de orientação sexual, religiosa, etc, etc! Sim, num primeiro momento é comprensível que você descubra algo muito importante e bonito sobre si e ai queira afirmar para todo mundo “me achei, eu sou isso, está explicado, afinal de contas!”, mas se essa é uma descoberta fundamental não é tudo o que há para descobrir, e só porque é fundamental não quer dizer que seja a mais importante . “Ah, mas temos que nos afirmar diante da sociedade malvada”, mas a sociedade é malvada com as pessoas heterossexuais também, o que se tem que afirmar é o direito de a pessoa ficar com quem ela bem entender, e não ser considerada uma união de segunda categoria, “anti-natural” só porque não é hetero. Parada gay deveria ser um grito de “consideramos justa toda a forma de amor!” e não de “vocês vão ter que me engolir!” – porque as pessoas heterossexuais não têm que aceitar a homossexualidade alheia, e sim têm que deixar de delirar pensando que é a forma de amor correta. E é esse é o mesmo mal que aflige a homossexualidade, ou pelo menos o que eu vejo com mais força: troca-se hetero por homo, mas ninguém – heterossexual ou homossexual – abre mão de dizer “eu vivo a verdadeira sexualidade!”… Pressupõe-se que quem nasceu heterossexual morrerá heterossexual, e que quem nasceu homossexual morrerá heterossexual. Aí vem alguém e diz “ah, é um gene”: vá se catar! Não é questão de escolha, mas nem por isso vira mandato divino. Só o preconceito – e preconceito de todas as sexualidades prefixadas – consegue determinar tão categoricamente que se você me vir rolando no chão com alguém cuja sexualidade não seja a mesma que a minha, separa que é briga (troque “alguém cuja sexualidade não seja a mesma que a minha” pelo sexo com o qual você nunca mais transará na vida). Aí inventam a bissexualidade, como se a sexualidade fosse um carro totalflex que aceita gasolina e álcool. Ninguém é bissexual – mas há pessoas que se permitem gostar de pessoas com genitália, e não de genitálias com pessoas. Pau e buceta não são caráter, são hábitos que não fazem o monge.
Eu disse no começo que o problema são as pessoas. E são mesmo. Por isso é que só as pessoas problemáticas – incluindo a mim – é que podem resolver isso. Não são as leis (não estou dizendo que não é importante aprovar a parceria civil registrada no Congresso), Deus ou a Paz Universal.
Somente as pessoas é que podem admitir um dia que as pessoas não estão na cor da pele, na ascendência familiar, no que têm no meio das pernas ou na religião. As pessoas estão nas pessoas! Eu sei que é redundante mas é porque eu não sei afirmar “pessoas são isso!”. Quem sou eu para pré-determinar, para pré-formatar as pessoas como se fôssemos disquetes. “Pessoa” é como o bom-senso para Descartes: todo mundo é ou tem plenamente. E as pessoas têm características que formam uma rede de diferenças e semelhanças que vai muito além do que eu ou você temos no meio das pernas, ou ouvimos no rádio ou pensamos da vida. E os mais diferentes às vezes podem estar mais próximos do que imaginam (eu acho tão nojento um macho que é macho dizer que só gosta de buceta quanto uma lésbica dizer o mesmo- que foi mais ou menos o que eu ouvi e que me levou a escrever tudo isso – , e isso vale também para a pênislatria – como em “idolatria” – de gays e de mulheres heterossexuais).
É por isso que eu nunca vou – agora partimos para os problemas pessoais, pode parar de ler. É por isso que eu nunca vou conseguir namorar, ou pelo menos manter um relacionamento que dure mais do que o tesão inicial. Porque eu gosto do que gosto e sei do que gosto, mas aquilo de que gosto não define todo o resto sobre mim, e nem me obriga a gostar sempre da mesma coisa. Eu não sou obrigado a ser assim ou assado por gostar disto ou daquilo. Não tenho que ouvir que sou incongruente porque tal ou tal coisa não são coisa apropriada para o meu sexo. Eva vê a vovó e Ivo vê a uva só na cartilha, porque na vida real todo mundo vê mais coisas que isso. Menos quando a vida real precisa adequar-se desesperadamente à cartilha.
*aquele “feminismo” de hello kity que fala coisas do tipo “ah, mas isso é que dá colocar homem para fazer tarefa de mulher”, por exemplo. Em tempo : nada contra a hello kity.