O aspecto mais irritante do Natal é o clima de esperança, harmonia e paz que as propagandas natalinas evocam. E o mais deprimente é o efeito que este clima causa em quem passou o ano inteiro correndo atrás deste clima e não alcançou.
Logo mais, depois do Natal, vão recomeçar as sugestões para planejar o ano que vem, revisar o ano que passou e criar expectativas de que em 2022 tudo vai ser diferente, como em um passe de mágica inspirado na magia do natal emoldurada pelas decorações das lojas e inspirada nas imagens de felicidade das ceias farta de Natal e a troca de presentes caros protegidos por embalagens brilhantes e arrematadas em belíssimos laços praticamente impossíveis de serem feitos.
Isto pode parecer apenas mau-humor, mas o fim de ano nunca foi um período de paz, pelo menos fora das propagandas. Bom, talvez seja mau-humor, afinal de contas, mas não é “apenas” mau-humor: todo este clima é uma armadilha consumista para que todos sintam-se encorajados a gastar o décimo-terceiro (um dos poucos direitos que ainda não perdemos) e, porque não, a afundar-se em dívidas já que até os poucos direitos preservados estão valendo pouco (desvalorizados para que ninguém sinta muita pena quando nos tirarem, quem sabe).
Este clima natalino é muito irritante porque se baseia em nada e serve somente como estímulo consumista, e as expectativas que este clima insufla só vão se realizar em caso de coincidências. De modo geral, todo ano-novo vai ser tão ruim ou tão bom quanto foi o ano que está terminando, mas se o clima natalino fosse um clima de ponderação e raciocínio, ninguém gastaria tanto, nem colocaria suas esperanças em expectativas que, como sempre, estão destinadas a se tornarem frustrações doze meses depois.
Ao contrário do que pode parecer, eu não tenho nada contra fazer planos, sonhar e ter expectativas. Mas é parecido com o exemplo de Kant do pássaro imaginando que no vácuo sua velocidade seria maior devido à ausência do atrito do ar, mas sem ponderar que é este mesmo atrito que lhe permite levantar vôo, pra começo de conversa: o clima natalino consumista é mais ou menos como este vácuo cheio de luzes piscantes e vitrines brilhantes, cuja ausência de atrito dá a sensação de que agora vai, mas esconde que é um vácuo que não vai dar sustentação quando alguém quiser bater suas asas.
É necessário ter esperanças, mas também é necessário ter os pés no chão, como duas asas que, se falta uma, não adianta bater desesperadamente a outra.
Por isto prefiro o clima de Natal da oração do breviário do dia 18 de dezembro:
Ó Deus todo-poderoso, concedei aos que gememos na antiga escravidão, sob o jugo do pecado, a graça de ser libertados pelo novo natal do vosso Filho, que tão ansiosamente esperamos. Por NSJC…
Entra ano e sai ano e nós ainda gememos na antiga escravidão, e não seremos libertados pelos fogos de artifício da virada – nem pelas compras do natal. Mas seremos libertados pelo novo natal de Cristo, uma esperança que dá consistência a quaisquer outras esperanças que se fundamentem nela.
Gememos ainda, e vamos continuar a gemer ano que vem também. Mas também vamos continuar a caminhar porque esta esperança, de ser libertados pelo novo natal de Cristo, só acontecerá de uma hora para a outra depois que for se realizando aos poucos, no dia a dia desta caminhada, de modo quase imperceptível. Não é que alguém vá poder dizer, ainda na terra, “estou livre, cheguei lá”: quando puder dizê-lo, já vai estar no céu. Mas esta libertação é a culminância de um processo desenrolado pouco a pouco enquanto estamos aqui, iniciado pela crucificação e Ressurreição de Cristo, que não se compra nas promoções de fim de ano, não está dentro do peru de natal, nem aparece entre os brilhos das propagandas de compre e seja feliz típicas deste período.
O desespero de algumas pessoas com este clima natalino (o do consumismo), que fica escondido e amordaçado pelo próprio clima natalino, é também o resultado imediato do vácuo que ele gera (para dar a sensação de que agora vai). Mais do que um resultado, talvez seja mesmo o preço deste clima todo.
A esperança sustentável do Natal é o nascimento de Cristo, que é a nossa libertação, nascido de um “sim” de Maria carregado de esperanças que não eram um clima de expectativa vazio, mas da vida que se renova na cooperação entre o Criador e a criatura cooperando tanto com ele quanto com as outras criaturas entre si.