“Deus acima de tudo”

Cada vez mais as palavras parecem valer menos, mas não porque elas tenham perdido o seu valor, à semelhança da relação entre a crença em Deus e a sua existência: diante de certas interpretações relativistas sobre a fé, que condicionam a existência de Deus a que haja alguém que tenha fé nele (contrariando a sentença de Sartre, quando diz que “a existência precede a essência”, embora Sartre estivesse falando sobre outra coisa), há a resposta à pergunta (acho que retórica, e acho, também, que eu li em Nietzsche) “uma árvore que cai produz algum som se não houver ninguém que o escute?”, que é sim.

Assim como o som da árvore caindo não depende de um ouvido que o ouça, Deus existe; e pelos mesmos motivos, ou pelos mesmos raciocínios, as palavras não perdem o valor pela falta de reconhecimento. Só que mesmo mantendo o seu valor intrínseco, o contínuo descaso para com a palavra pode, aos poucos, corroer a percepção deste valor. Não que todas as pessoas necessariamente reajam assim – pois tanto os valores quanto a clareza da percepção dos próprios valores varia de pessoa para pessoa -, mas os mentirosos precisam, necessariamente, esvaziar a percepção do valor das palavras, para poderem agir (e falar) como se elas não valessem nada.

Eleger-se explorando a ideia de “Deus acima de tudo” é um jeito engenhoso de recorrer à fé de quem crê em Deus, afinal qualquer um que creia em Deus sabe dos próprios erros que comete, e então sabe, ou deveria saber, que errar não significa automaticamente negar Deus; assim, o que parece é que o presidente comete erros, alguns até graves, mas que são apenas tropeços em um caminho no qual Deus está acima de tudo. Ou seja, eleger-se sob o mote “Deus acima de tudo” foi um jeito de dar muito pano para ser passado pelos crentes que queiram fazê-lo. Não era uma declaração de fé, mas uma defesa prévia (não uma justificativa, uma explicação ou uma desculpa, apenas uma defesa) dos caminhos tortuosos, apresentados como uma espécie de “caminhos de Deus”, porque tudo começou em um hipócrita “Deus acima de tudo”.

Talvez demore para descobrir que Deus não passa pano para atrocidades e injustiças (se nem mesmo para Moisés Deus passou pano, tanto é que o impediu de entrar na Terra Prometida por muito menos que atrocidades e injustiças), e enquanto Deus age por seus caminhos misteriosos e nos seus tempos insondáveis, cabe a nós, pelos caminhos que Deus nos mostra e no tempo que ele nos deixa conhecer, agir como o próprio Deus, não enquanto Todo-poderoso, mas enquanto opositor ferrenho das atrocidades e injustiças contra a sua criação, especialmente quando estas injustiças e atrocidades são contra seus filhos e suas filhas.