Os fariseus da época de Cristo acreditavam em viver a fé nos seus aspectos exteriores, o que, junto com o antagonismo ao domínio romano, lhes dava prestígio entre o povo, embora não fizessem nada disto por convicção e sim pelo reconhecimento que agir assim – representar exteriormente a fé e antagonizar o domínio romano – lhes dava.
A hipocrisia de que Jesus acusa os fariseus é esta: o objetivo deles era apenas o reconhecimento e para isto não importava serem o que representavam. Como a fé representada era muito difícil de ser vivida além da representação, valia a pena “pagar de santo” para aproveitar o afago no ego e todos os mimos que o reconhecimento traz.
Mas a hipocrisia não era novidade no mundo naquela época, e muito menos é agora. E se fingir-se de santo também não é, talvez haja alguma inovação vinda da política bolsonarista neste sentido. Embora muita gente seja bolsonarista por julgar-se um cidadão de bem (e mesmo que o conceito de “bem” neste caso seja discutível, o fato é que muita gente entra nesta por indentificar-se sinceramente com este “bem” representado pelo bolsonarismo), mas isto também não é novidade, pois não é a primeira vez que alguém hipócrita engana uma quantidade imensa de pessoas.
A novidade do bolsonarismo é fazer da fé uma bandeira política, diferente (mas não muito) dos fariseus, que se escondiam na hipocrisia apenas pelo prestígio, pois não iriam livrar o povo da dominação romana que antagonizavam – quem tentou isto foram os zelotas, sem sucesso –, nem eram os santos que pareciam. Mesmo o tempo da cristandade, que identificava religião e estado na Idade Média, não é comparável, pois a identificação não era artificial. A hipocrisia bolsonarista consiste em fazer da fé farisaica uma bandeira política que não tem o menor interesse na fé, a não ser como verniz para conquistar o poder político e acobertar a corrupção dos poderosos.
É uma imitação grotesca do que as minorias – as mulheres, os negros, os homossexuais, etc. – vinham fazendo ao longo dos últimos anos, forçando a criação de políticas justas que garantissem os seus direitos: apresentando-se com sua fé farisaica, o bolsonarismo fez da fé uma bandeira política não como afirmação da própria fé, mas como alavanca para combater quem não a tem (“não a tem” segundo a ótica bolsonarista).
Transformando a fé em uma bandeira, o combate político se torna um combate religioso, e quem não apoiaria um governante “eleito em nome de Deus”? O problema é que a fé e o “em nome de Deus” são usados apenas como chamarizes para ganhar o poder dos votos, e também como escudo para perpetuar a corrupção, afinal, o que significam alguns desvios e algumas corrupções, que nem são novidade no país, frente a cristianização da nação?
É claro que objetivo do cristianismo passa bem longe de cristianizar nações, pois o objetivo do cristianismo é simplesmente anunciar Cristo que morreu e ressuscitou para nos salvar, e eleito de Deus por eleito de Deus, a maioria dos reis de Israel também o eram, e foram um fracasso tanto do ponto de vista político, como do ponto de vista da fé – o que significa que nem os que Deus elegeu ele mesmo eram flor que se cheirasse só por terem governado em nome de Deus.
Mas “cristianismo”, “fé”, “Deus” e afins são palavras corrompidas no bolsonarismo, palavras vazias que servem apenas ao projeto de poder voltado à ambição dos que foram eleitos dentro deste projeto.
A única luz no fim do túnel são as palavras de Cristo assegurando que nada dito às escondidas deixará de ser revelado, mas tomara que até mesmo antes disto seja possível aprender a votar de acordo com a fé, e não votar na na bandeira de uma fé desfigurada tecida com os fios da hipocrisia.