O que faz de alguém um católico? Obedecer os mandamentos? Mas aquele jovem que disse a Cristo que obedecia a todos os mandamentos e não foi capaz de vender tudo o que possuía e entregar aos pobres não pôde permanecer junto a Cristo mesmo obedecendo a todos os mandamentos. Talvez obedecer ao catecismo, que inclui não só os dez mandamentos mas também regras para casos que estão ligados aos mandamentos, mas não parecem? Então o católico que defendia a pena de morte até o dia primeiro de agosto de 2018 deixou de ser católico no dia 2 (a menos que tenha mudado sua opinião conforme a nova redação do parágrafo 2267 do catecismo). Ou obedecer ao papa? Ou a todos os papas anteriores também?
Eu tenho uma definição do que é ser católico, e provavelmente você também tem uma, e isto não é um problema. Mas usar as nossas definições de “ser católico” para acusar outra pessoa de não ser católica, ou, pelo menos, para acusá-las de não serem católicas o suficiente transformam o que era somente uma definição pessoal para nortear as próprias ações, em uma regra válida para todos – como se alguns soubessem mais que os outros.
Para isto que serve ler o que São Paulo escreveu na sua primeira carta aos coríntios. Neste trecho da liturgia de hoje, ele está falando sobre outra coisa, que é restringir-se de algo que não está errado para que aqueles que não entendem isto não pensem que pode tudo. O sujeito sabe que não tem problema em comer as carnes oferecidas aos ídolos, mas um outro sujeito ainda não entendeu isso, vê o primeiro comendo as oferendas e daqui a pouco vai pensar que não tem problema fazer suas oferendas também e tudo vira uma bagunça – em um tempo onde o cristianismo ainda estava se formando. Aquele sujeito esclarecido, que entendia que a carne oferecida aos ídolos era carne como qualquer carne e não faria mal comê-la, não entendia, porém, o quanto isto poderia escandalizar o seu irmão que não entendeu e, além disto, induzi-lo a aplicar esta liberalidade a outros aspectos para onde ela não valia. Por isto que quem “acha que conhece bem alguma coisa, ainda não sabe como deveria saber”.
Mais do que uma expressão de humildade socrática (“só sei que nada sei”), São Paulo está alertando os profundos conhecedores da Bíblia, das leis e da moral que isto não é tudo, e tudo isto pode ser mais nocivo aos outros do que se não soubesse nada.
Mas hoje esta ideia, de que quem acha que conhece ainda não sabe, serve muito para estes fiscais do catolicismo alheio, rapidíssimos em detectar o menor traço de comportamento não católico nos outros, inclusive nos padres e nos bispos – é curioso que a prática inquisitorial cotidiana, abandonada pela hierarquia católica, tenha sido voluntariamente assumida por alguns leigos, que proibidos de usar a fogueira (inclusive pela hierarquia que criticam), queimam os outros em “apologias” que podem até estar corretas, mas são incapazes de dialogar com qualquer um fora dos seus círculos de pureza doutrinária.
As doutrinas católicas servem para ser aplicadas na própria vida, mas não é porque são corretas que devem servir de régua para medir os outros. Se alguém acha que conhece bem alguma coisa, não sabe como deveria saber porque, no fim das contas, o sabe-tudo é Deus e não o nobre apologeta do século XXI, que não consegue entender que não sabe de tudo, inclusive sobre si, e também que não sabe (mesmo que ache que sabe) se pode condenar os outros à sua volta com sua correta régua moral – e é com esta régua, não o catecismo da Igreja, mas esta que ele usou durante a vida, que Deus vai medi-lo, incluindo aí aquilo que Ele sabe e nós não (cf. Lc 6,38, também na liturgia de hoje).
*Na imagem, o zelador Willie dos Simpsons, um verdadeiro escocês, em referência à falácia do escocês de verdade.