Estréia

{?} nunca tinha ficado mal por brigar com alguém. Quer dizer, {?} já havia brigado muito com muitas pessoas diferentes, depois feito as pazes por gostar, no fundo, da pessoa com quem tinha brigado. Mas {?} nunca sentiu arrependimento do que fez, do que disse. “Realmente”, {?} pensou, “a diferença é o arrependimento”. {?} nunca teve o costume de arrepender-se. Brigou? Brigou! “A gente conversa e se acerta”. “Você nunca mais vai querer me ver na sua frente porque brigamos? Pior para você”. {?} conhecia bem o arrependimento. {?} já se arrependera muitas vezes antes de outras coisas. Mas nunca de ter se defendido. {?} nunca sentira antes tamanha ausência de desapego (se é que podemos colocar as coisas assim). {?} acostumou-se à solidão.
Há, no universo, um “ruído de fundo”, que {?} entende como um ruído constante, que às vezes pode ser abalado, mas que sempre estará lá. De maneira semelhante ao ruído de fundo do universo, {?} sempre viveu uma solidão de fundo. {?} aproximou-se de muitas pessoas de quem distanciou-se. Com o tempo, aprendeu a contar com a chegada do momento da distância do afastamento. {?} sempre, em todos seus relacionamentos, quaisquer que fossem os tipos de relacionamentos que estabelecesse com outras pessoas, tinha seu coração (Ó, pieguice, nuncame abandonarás?) preparado para separar-se. Sempre.
{?} pensava que contigo também seria assim. {?} imaginava que se machucaria (de novo), sofreria (de novo), sentiria falta (de novo), mas que levantaria (de novo), que seguiria em frente (de novo) e que poderia aguentar a próxima (de novo). E, realmente, {?} conseguiu repetir todo o processo. Mas nunca antes {?} tinha ficado tão triste assim. Era difícil para {?} definir o que havia mudado. Nada, na verdade, havia mudado. A não ser a imensa alegria de te ver de novo quando pensava que nunca mais isso aconteceria. Nunca {?} sentiu-se tão feliz ao rever – e reconciliar-se com – quem tinha brigado.
Talvez possamos exemplificar. {?} sempre achou muito idiota aquele comportamento diplomático que duas pessias – em geral – assumem quando se reconciliam. Muito piegas. {?} esquecia da briga – e da reconciliação – e tudo bem, tratamento normal ({?} possui memória seletiva). Mas nem sua memória seletiva deu conta do recado: comportamento diplomático, evitamento de brigas – e o pior, o comportamento que {?} sempre achou mais deplorável: o medo de uma nova briga. {?} sempre teve uma resposta na ponta da língua. Ela demorava mas chegava, e {?} nunca teve medo de dá-la. Mas {?}, contigo, passou a ter medo de iniciar uma nova briga. {?} nunca gostou de andar na corda bamba do auto controle em prol da paz, e de sombrinha. {?} nunca gostou da instabilidade da reconciliação, a instabilidade diplomática, o sorriso que diz “tá vamos parar”. {?} se lixava para a maturidade, neste aspecto. Brincadeira, para {?}, não tem limite. Menos contigo. {?} nunca teve medo de lembrar de suas brigas. Mas a briga contigo ainda incomoda. {?} já teve medo de várias coisas. Mas nunca teve medo do medo.
Pela primeira vez, {?} teve medo do medo de te perder.
Agora vive nessa linha instável, nessa corda bamba, sem nunca saber se a briguinha de amanhã será definitiva. E nunca antes {?} agarrou-se tanto em amar como agora agarra-se a te amar. {?} somente tem isso agora consigo: esse “Te amo” tão banal, tão simplório, mais instável que sei lá qual elemento químico, tão (ai) piegas… mas tão mais importante que tudo, tão mais importante do que em qualquer momento já havia sido.