nada de novo

Dois assuntos reverberam na minha cabeça. dois assuntos bastante díspares, até mesmo quase sem relação um com o outro (dá para relacionar, até: ambos os assuntos envolvem seres humanos, e ambos me incomodam muito, de maneiras bem diferentes, é claro; mas vamos deixar de lado essas relações): um deles é que X não está aqui; o outro, é que uma menina de quinta série foi expulsa de um colégio porque chamaram-na de vadia (simples assim: “você é vadia!” Plim!!: foi expulsa da escola – onde estão as delegacias da mulher que não prendem ninguém por este tipo de violência?). Um assunto me faz sofrer, o outro me irrita profundamente. Em ambos os casos, me sinto impotente. Mas, novamente, são duas impotências bem diferentes.

É verdade que a história da menina não foi tão simples assim. Os meninos que a expulsaram (a diretora somente serviu de instrumento, como bem cabe a uma mulher em nossa cultura) tiveram de contar a seus pais que a menina fizera um boquete neles.
Vejamos: primeiro, os pais tiveram que acreditar neles: “meus filhos não mentem, de maneira alguma. Mas, será que estão mentindo? Bom, essa menina terá que ser expulsa de qualquer jeito, pois meus filhos não podem passar por mentirosos”. Depois, a diretora teve de acreditar também.
A menina disse que não, não fez isso. Se confirmasse que fez, é vadia. Se não confirmasse – como de fato fez – seria uma vadia mentirosa. Digamos que tenha feito. E, ainda por cima, digamos que tenha feito por gosto. Sei lá, tem gosto para tudo. Todo mundo sabe que existe sexo oral. E que é bom receber. Todo mundo sabe que mulheres fazem em homens ou em mulheres ou em ambos (não necessariamente ao mesmo tempo, mas às vezes sim), e que homens fazem em homens ou em mulheres ou em ambos (idem). Claro que nem todas nem todos fazem ou ganham. Mas ´uma realidade. A menina, estamos pressupondo que ela tenha feito e gostado, foi punida por fazer o que gosta. Por sentir prazer. Claro, tem todos os perigos da AIDS e outras doenças assim, mas gente mais “madura” se arrisca muito mais. Imagine que horror uma mulher gostar disso, gostar de ter prazer. Imagine que perigo o meu filho conviver com uma gente dessas. Meu filho vai casar com uma mulher direita, tem que aprender a gostar de mulher direita, que seja gostosa, que seja burra, que não goze, que cuide da casa, dos meus netos e do meu filho, que trabalhe também fora de casa, que seja competente em todos esses serviços, que cuide da aparência, que não engorde, que não seja anoréxica, que costure, cozinhe bem, tenha bom gosto para decorar a casa, que seja submissa sem o ser de maneira escancarada, que seja fiel, leal como um cusco (ou como uma cadela), sorria sempre, se vista bem, e isso só para começar.
Mas a menina disse que não fez, portanto, vamos tomar partido dela (já que a escola não foi capaz disso). O que essa menina aprendeu com a sra. pedagoga, dona Escola?: a) nunca contrarie um homem. Isso é tudo o que uma mulher deve saber, o resto é consequência.
Fala-se muito em magias, simpatias, etc. Nada disso é científico, pois nada disso pode ser palpável, provado, analisado. Agora me digam, senhores cientistas, o que não é palpável aí? Um menino diz “foda-se”, e a menina se fode. Tinha um cara que dizia “Shazam” e se transformava em Shazam. Não vá me dizer que isso é fantasia.
As bruxas, as que foram queimadas no século passado, foram queimadas não por serem bruxas, não por associarem-se ao diabo, muito menos por terem a teta do diabo. Elas foram queimadas apenas por terem poderes. Dito asssim parece até piada: elas tem poderes (no episódio dos Simpons no Brasil, acho que se chama “Blame it Lisa” e eu não faço a menor idéia de como se traduz isso, a Marge diz a Lisa para não contrariar as freiras, porque elas tem poderes, e isso fica muito engraçado, porque é muito inocente). Mas elas tinham poderes. Sem entrar na questão de se uma simpatia, um encanto ou uma maldição funcionam mesmo ou não, o poder que elas tinham era o de dizer “vou amaldiçoar você” e a pessoa acreditar. Elas tinham crédito, as sras. bruxas. O poder é sempre uma questão de crédito: acreditam em você ou não.
E mulheres nao são, em nossa belíssima cultura, seres dignos de crédito: mulheres tem TPM, menos neurônios, servem para enfeitar o mundo e parir.
Certo, certo, tem a Michele Bachelet, a outra que é chanceler da Alemanha, a Dilma Rousseff, a Daiane dos Santos, a J.K. Rowling… Até que algum rapaz diga: “mãe, ela é vadia”
(por favor, espero, um dia, levar nos dedos e descobrir que não é assim)