Uma amiga minha está apaixonada por um cara. Não sabemos – pelo menos nem eu nem ela – se ele gosta dela mas é tímido, gosta dela mas é burro, gosta dela mas não está emocionalmente preparado para assumir uma relação séria (uma madrugada de discussões sobre esta possibilidade e, na minha opinião, a mais provável), gosta dela mas não de monogamia, gosta dela mas inexplicavelmente é capaz de se acertar com ela, ou não gosta dela (a segunda alternativa mais provável, na minha opinião). Volta e meia eles ficam juntos, e ela passa duas ou três semanas feliz como se fosse natal. Depois, volta toda a deprê no estilo “seu guarda eu não sou vagabundo, não sou delinquente…” e debates intermináveis sobre ele.
Até aí, é a história do mundo (uma pessoa ama outra e não é amada) ou a base de praticamente toda a literatura, pelo menos. Nada de novo.
Mas a menina tem uma segunda paixão, que é uma amiga dela com quem ela ficou mas não quis continuar a sei lá eu quanto tempo atrás porque estava apaixonada pelo cara, o mesmo pelo qual ela ainda é. A menina dava em cima dela até não poder mais, até que ela também se apaixonou por um outro cara e vive com ele de maneira meio turbulenta e apaixonada.
Agora, noventa e dois anos depois, a minha amiga decidiu que é melhor tentar esquecer o cara. E, nesta busca por outro amor (eu juro que estou em tratamento para minha pieguice) só aparecem caras toscos nas mãos dela – muito bonitos, muito galantes, mas do tipo “ah, tu não quer me dar, então vou dizer prá todo mundo por aí que eu te comi e depois de larguei prás traças!”. Uns partidões…
Mas volta e meia aparecem umas meninas pelas quais ela fica meio caída e com algumas, às vezes, ela troca olhares carregados de sedução e paixão e um dia eu me perguntei, depois perguntei para ela “fulana, porque tu não tenta namorar uma menina?”
Claro que, eu estando de fora do problema, fiquei pensando principalmente nos aspectos práticos da situação: as candidatas – as que eu conheço, pelo menos – ou seja, as meninas que possivelmente ficariam com elas são, na maioria, de confiança, mais até que os caras que ela anda pegando por aí (eu faço esforços estelares para não concluir que homem não presta, a começar pelo fato de que isso é muito preconceituoso – mas está muito difícil). Quer dizer, muito mais prático, menos arriscado, e sem risco de engravidar porque estourou a camisinha (sim, eu sei que estou forçando, mas não deixa de ser um argumento – alguém disse que argumentos toscos não valem?, e é para o bem dela).
“Mas a minha mãe me mataria!” – quem é precisa de novela?!? Basta a vida real…
Por essas e por outras que o fascismo das pessoas me irrita. Sei lá, não tenho filhos e podem dizer que é por isso que eu penso assim, mas se um filho meu vem e me diz “Olha só, eu vou entrar no seminário para ser padre” (o que para mim seria o equivalente do que, para muitas pessoas é “eu sou homossexual”), só o que eu posso dizer é “vai e seja feliz, pode contar comigo”. Só porque eu abomino uma coisa não significa que outras pessoas, nem que fossem meus filhos, precisam abominar. Se quer ser padre, entrar para o PFL, formar uma banda gospel, ler Paulo Coelho, tudo bem. Eu não quero um mundo sem padres (queria só que não fosse ilegal enviá-los todos para a Groelândia só de batina), sem o PFL, sem o Pauo Coelho (pelo menos, as pessoas lêem) (poderiam ler bulas de remédio também, mas vá lá), sem o Faustão. Eu apenas acho tudo isso tosco, mas deixa as pessoas fazerem isso.
Por isso, aliás, essa coisa toda me irrita profundamente. Mesmo que homossexualidade fosse doença – só para ficar em apenas um argumento absurdo – é a vida alheia, droga. Mas aí alguém pode me dizer “vivemos em comunidade, a vida alheia é importante sim”. Mas só é importante quando afeta a mim.
Se o meu vizinho decidir criar baratas ao ar livre na casa dele, isso me afeta e eu vou fazer o possível e o impossível para impedi-lo disso, porque é óbvio que as baratas vão passear na minha casa. Mas se ele criá-las presas (e muito bem presas, eu espero), seria igualmente nojento, mas isso seria lá com ele. E nem esse exemplo serve, porque o problema das baratas é que elas são nojentas e podem subir (puta merda, que horror) em cima de mim. Mas duas pessoas se beijando na rua são duas pessoas se beijando na rua, e não baratas: quem não gosta somente precisa virar a cara.
Acho que fascismo ainda é motivo para bombardeios aéreos, e isso era o que deveria ser feito em casas de pessoas fascistas. Se bem que isso também seria uma atitude fascista. Mas aí entra o velho problema da liberdade: se somos livres, uma pessoa não tem o direito de ser fascista? Bom, sei lá, mande-os para a Groelândia, então (junto com os padres, he, he, he).