Acho que é isso que se sente quando se está triste, quem sabe uma depressão básica (fico feliz em saber que, pelo menos nesse ponto, sou uma pessoa bem moderna), mas que não é nada desesperadora, não chega a me atar, não chega a me derrubar.
Era para mim ver minha vida e me desesperar, me perder, entrar em parafuso, tudo o que perdi, o que nunca tive, o que não tenho perspectivas de ter, o que não vivi, o que não descobri, o que esqueci, e o que não deveria ter lembrado.
Vi tudo isso, até um pouco claramente demais, demasiado lucidamente, mas o peso do mundo, desta vez, não pesou sobre mim, não dobrou os meus joelhos nem me obrigou a me arrastar por aí.
Eu não possuo disciplina o suficiente para levar adiante meus projetos. Tenho uma coleção de começos e deficiência de fins. Meus troféus são as faixas de inauguração. Muitas primeiras vezes, poucas últimas.
Eu preciso me apaixonar constantemente. Recentemente revi Cristiane F., e me sinto ela – minha heroína é me apaixonar. Só tem a vantagem de não ser ilegal. Não é difícil estar em um estado constante de paixão, mas acabei de me desapaixonar por motivos de saúde (meu deus, será que Cristiane F. era sobre mim?) e, por enquanto, não tenho forças nem perspectivas de me apaixonar de novo.
Onde foi que ouvi que quem pensa não casa?
Eu acho que penso demais. Sou uma pessoa impulsiva. Consigo conciliar muito bem estas duas condições antagônicas. Eu penso, penso e penso. Aí vou e faço exatamente (mas com uma precisão milimétrica) o que pensei e concluí que não deveria fazer. E descubro que realmente não deveria ter feito. Não tenho aquele tipo de impulsividade de quem, quando vê, fez sem pensar. Eu penso antes, e faço como se não tivesse pensado em nada. Mesmo que eu tenha planejado antes, eu traio todos os meus planejamentos. Impulsivamente.
Sou como aquelas pessoas que entram em uma loja de cristais e ficam sete horas se movendo com cuidado, sem bater em nada. Aí, na saída, se vira para pegar o chapéu e derruba uma prateleira inteira.
Acho que levei a sério demais essa história de “o que importa é o caminho, e não a chegada”. Pouco pragmatismo e muitas flores no caminho. Tenho que ser mais inglês, mas north-american, mais empresarial, tenho que ler menos literatura, ler ainda menos do que leio em geral, e perseguir meus objetivos doa a quem doer.
Minha vida teve meia-dúzia de fases depois da infância.
Vim de um período bem bobão, onde a bobice consistia em não perceber que os lugares onde eu estava não eram para mim. Sabe quando você sai de um lugar e se dá conta “putz, fiquei sobrando há horas e não percebi”? Espero que você não saiba. Mas é assim que eu me sinto em relação a este período.
Depois, veio a minha fase underground. Tudo era ruim, tudo era triste, tudo chato, nada nunca estava bom, nenhuma perspectiva, eu não queria nada e nada me faltava. Mas havia mais lucidez. Era um clima pesado, mas de um peso inexplicavelmente leve.
Li a Insustentável Leveza do Ser, uma vez. Será mesmo que o peso é negativo e a leveza, positiva? – era o que se perguntava o livro.
Depois, minha fase cristã. O cristianismo (catolicismo, protestantes, pentecostais, etc) até tem coisas boas. Basicamente, tem pessoas muito bem intencionadas, sensíveis às mazelas e alegrias alheias, e dispostas a tornar todo mundo feliz.
O problema do cristianismo é que o cristianismo é um underground disfarçado. Na minha fase dark, eu sabia muito bem onde pisava – eram pântanos, mas eu enxergava o lugar. Na fase cristã, permaneci no mesmo lugar, mas olhava para um céu que não estava lá, mas que eu esperava que estaria. Esse é, eu acho, pelo menos um dos problemas do cristianismo: você não é feliz por viver, por ver flores, por amar alguém; você somente é feliz porque a vida, as flores, o amor e a pessoa que você ama são obra de deus. Somente deus deixa você feliz, e você tem que acreditar, acreditar, imaginar, esperar, acreditar em algo que um dia virá. Você é feliz por uma promessa – mas nada do que existe hoje, agora, o sol dessa tarde, as cores daquela árvore, nada disso é bonito ou válido por si, e sim por causa de deus. Eu continuava tão dark quanto antes, mas apenas não queria enxergar isso. E, para não ver isso, eu acreditava em um futuro inventado que, por mais que seja possível, é somente uma possibilidade entre tantas outras – seria o mesmo que deixar de trabalhar contando com o prêmio da mega-sena (“um dia meus números saem”…)
Deixei o cristianismo sem deixá-lo, depois. Reneguei tudo, mas já não conseguia enxergar mais nada. É impressionante como é possível perder o mundo concreto de vista. Aprendi a viver de esperanças, e a vivê-las como se fossem reais. Mas nunca mais precisei me mover, pois já tinha o que queria: era muito feliz em esperar.
E, independente da fase onde eu estivesse, eu sempre aprendi a contar somente comigo – somente eu estive do meu lado quando eu precisei. Sempre. Aparentemente as pessoas pressentem essa minha autosuficiência (mas ninguém percebe que é uma autosuficiência falsa?) e não se preocupam, então, em estar ao meu lado. E, assim, continuo contando sempre somente comigo. É um caminho sem volta, como o tempo, uma queda ao ar livre, ou o curso de um rio.
Pelo menos, neste ambiente estranho em que estou agora, nessa conhecida tristeza sem o desespero, consigo ver. Se é para alguma coisa durar, que seja isso então – essa lucidez, seja lucidez do que for.