Eu ia falar do Poderoso Chefão, que eu assisti hoje à tarde. Ia dizer alguma coisa sobre a diferença entre este filme (a parte 1, pelo menos) e Os intocáveis, que O Poderoso Chefão é um filme sobre relacionamentos, relações de poder, as diferentes configurações que as relações assumem, sobre lealdade, enfim, um filme rico, enquanto que Os intocáveis é apenas um filme sobre como devemos cumprir a lei, quer dizer, um filme que heroiciza o a)homem b)cumpridor da lei, e se torna em um convite a idolatrar a lei. O Poderoso Chefão também é machista, mas não é construído em torno da masculinidade. Já falei demais sobre isso.
Vou falar de um assunto uma última vez, eu espero.
É muito fácil me fazer de idiota. Acho que nem quem me faz de idiota percebe o quanto é fácil o que faz. As pessoas que me fazem de idiota devem pensar “não, tu tá se fazendo de idiota”, ou “te peguei num péssim dia, né?”. Mas, não. Ordinariamente eu sou idiota, dia-a-dia é fácil me pegar.
Se eu for acompanhar você até sua casa, como faço todos os dias, por exemplo, e hoje você se vira e me pergunta “onde tu vai?” e eu respondo “vou contigo até a tua casa”, e ouço de você “mas eu não te pedi nada”, eu só posso dizer, então “ah, bom, que bobice da minha parte. Tchau.”
Eu não sei se eu vou conseguir expressar claramente o que eu quero: se fosse desprezo, você teria dito antes – meses antes – de alguma maneira que tem o mais absoluto desprezo pela minha companhia. E desprezo é uma das poucas coisas que, por mais que eu já tenha passado por isso, ainda consegue me machucar. Outros tapas eu quase nem sinto.
Uma pessoa que me faça isso, está obviamente simulando desprezo. E faz isso porque alguma coisa lhe incomoda. Se é em mim que algo incomoda, doente é você que andou comigo ese tempo todo. Se não é doença, é falta de companhia melhor: mas se você precisa andar comigo pensando que poderia estar com gente mais legal, você é uma pessoa muito medíocre – não porque anda comigo, mas porque se obriga a andar com quem não queria.
Se você estava de mal com a vida e resolveu descontar em mim, somente prova que não merece a confiança que comecei a lhe dar, e se transforma, para mim, em qualquer pessoa. Em uma pessoa qualquer. Entre você e uma lagartixa, a princípio fico com a lagartixa, que pelo menos come mosquitos e mosquitos me irritam. Pode ser que, caso você e uma lagartixa sejam atropeladas, eu prefira levar você ao hospital – mas por mera solidariedade humana, coisa que qualquer pessoa tem da minha parte sem esforço, ao contrário da lagartixa que é relevante para mim. Eu tenho uma dificuldade incrível, exorbitante para confiar em alguém, e uma facilidade levíssima em decidir que me enganei.
Suponhamos que fosse mesmo desprezo autêntico por mim: maior será sua mediocridade, que anda com pessoas que acha desprezíveis. “Ah, mas eu fui na sua casa, comi sua comida, assisti filmes na sua casa, você me deu presentes de natal: eu te usei e agora estou te jogando fora!” Nesste caso: a) você podia ter me usado melhor, tenho vergonha de ter sido um objeto nas mãos de alguém com uma visão tão curta, b) eu não preciso usar as pessoas para conseguir coisas que o governo me daria, me exigindo apenas o preenchimento de um cadastro. c) se me usar é prova de superioridade sua (quer dizer, se você me usou apenas para se sentir superior), não serei eu quem lhe informarei que somente pessoas inferiores têm necessidade de provar superioridade, e que eu, que nunca fui superior a ninguém, me torno superior a você – não que eu aumente meu status, mas você é quem se rebaixa.
Agora, você conseguiu mesmo me fazer de idiota – o que não requer esforço algum.
E foi com isso justamente que eu vi, maravilhoso, eu aprendi que sou mais forte que você.
O que eu quero dizer é: não é pela sua atitude que lhe acho medíocre. Outras pessoas que fizessem isso comigo me machucariam, mas não você, e você deveria ter percebido isso. Lhe acho medíocre porque somente as pessoas medíocres precisam pisar nos outros, e somente pessoas medíocres não percebem que suas patas não machucam ninguém.