Eu gostaria de não ser uma pessoa essencialmente ridícula. Não patética. Ridícula.
Não gostaria que o meu corpo tivesse um formato mais engraçado do que qualquer outra coisa. Aliás, eu gostaria de ter um corpo que me permitisse vestir qualquer coisa sem ficar com cara de piada. Não que eu ficasse bem vestino qualquer coisa. Mas que eu não precisasse escolher minhas roupas com a meticulosidade de quem escolhe uma casa a cada vez que vai sair.
Eu gostaria que as pessoas respeitassem “dor de cabeça”, “mau-humor sem motivo”, “vontade de não falar nada” quando fosse comigo, da mesma maneira que eu respeito quando é com os outros. Tudo bem que a minha natureza não me serve como desculpa para ações incompreensíveis, mas me colocar em um grupo de pessoas e não me respeitar simplesmente porque querem que eu faça parte desse grupo – e assim me tratarem como se eu fizesse – é um tormento diário.
Eu gostaria de saber porque quando eu ando na rua homens me olham com um interesse que, dependendo do meu humor, oscila entre o repugnante e o intrigante para mim. E gostaria de saber porque que quem eu quero que me olhe não me veja, ou me olhe como se eu fosse um pequeno espetáculo grotesco e curioso. Acho que também gostaria de ser menos um pequeno espetáculo grotesco e curioso – mas eu também me acho assim muitas vezes.
Eu gostaria de me tornar imperceptível, caso não haja saída. Se algum dia isso acontecesse, tudo bem, mas não desejo ser uma pessoa radiante e bela que desperta um olhar agradável de todas as pessoas na rua. Gostaria apenas que, se for para me perceberem de uma maneira que me cause repugnância ou vergonha, então que não percebam que estou ali. Se eu for em um supermercado, espero que a caixa me perceba; se eu fizer “ei, psiu!”, espero que me percebam, também. Mas falo de quando se está andando na rua, e você sente os olhares das pessoas sobre você. Preferia que eles simplesmente não se dirigissem a mim se forem para ser como são. E gostaria de ter dinheiro para comprar roupas menos esmaecidas e acinzentadas. Acho que vou começar a me vestir somente de preto e branco.
Eu gostaria de não ser uma pessoa com um humor tão oscilante. Às vezes saio na rua com uma segurança incrível, e em outros dias, saio como se fosse um gato, com medo, sem jeito, como se tivesse aprendido a andar ontem. Gostaria de ter essa constância de humor que vejo nas outras pessoas, que, por mais que sejam algumas delas pessoas com as quais eu absolutamente não concorde, admiro essa capacidade de serem ordinariamente previsíveis – quer dizer, sei lá que reações teriam em situações inusitadas, mas no dia a dia, mantêm sempre um comportamento medianamente igual ao de sempre.
Eu gostaria de não questionar tanto tudo. Eu questiono e, como ainda não cheguei a nenhuma resposta, não tenho certeza de nada. Isso faz com que eu sempre esteja em cima de uma corda bamba, pois não consigo acreditar no hábito. Isso às vezes é difícil.
Acho até que às vezes eu gostaria de ser uma pesoa um pouco mais conservadora, um pouco mais tradicional, que eu tivesse um pouco mais de respeito pelas leis, pela tradição, pelas coisas respeitáveis que todo mundo respeita. Deve ser confortador para uma pessoa ajoelhar-se em uma igreja e ter a certeza de que alguém a conforta, ou pensar na Ciência e acreditar nela. Isso deve ajudar as pessoas a dormirem melhor de noite e serem mais produtivas.
Eu sei que nem mesmo eu confio em mim. Mas a verdade é que é um pouco ao contrário: eu desconfio tanto de tudo que nem em mim eu confio. Eu sei que as coisas não são estáveis, mas, por um lado, eu vejo tantas coisas estáveis à minha volta, e, por outro, vejo pessoas que têm algum tipo de estabilidade na vida: militares, padres, esposas, filhos, pais, essas coisas assim. Eu não consigo acreditar na estabilidade, estou sempre esperando o momento em que tudo acabará e recomeçará. Gosto de recomeçar sempre e sempre, mas hoje em dia minhas costas dóem, meus dentes dóem, minha cabeça dói, fumar só me dá falta de ar, beber só me causa dor de barriga e um gosto ruim na boca no outro dia, filmes são a maioria previsíveis (eu não sei o que farei quando terminar de ver todos os filmes antigos clássicos que ainda não vi), livros são raros os que valem a pena comprar (Lado B – Histórias de Mulheres é uma excessão e eu não posso passar o resto da vida comprando os livros dessa autora), e nem pizza mais é tão gostosa como era. Tudo muda, tudo passa… mas – e eu até gosto disso – mas eu às vezes canso um pouco e não consigo, sei lá, descansar.
Eu sei também que é o maior clichê-chavão-lugarcomum ficar escrevendo “eu gostaria que…” e “eu só gostaria de um pouco de paz”. Mas acho que os clichês, no fim das contas, não são clichês por acaso.