Ópera e coisas dramáticas afins

Divergência. O que sou e o que sinto. Divergência. Meu corpo e o que sinto. Divergência.
Isso implica em que eu não seja uma pessoa bem-resolvida. Porque possuo uma divergência interna. Basicamente entre meus sentimentos e todo o resto de coisas minhas. Eu estou em duas instâncias diferentes. Isso é a base do platonismo.

Meus sentimentos deveriam surgir de mim. A partir do meu corpo, do meu ambiente, e das minhas necessidades, os meus sentimentos deveriam concordar com tudo isso.

Mas discordam. Meu corpo, principalmente, me insere automaticamente em determinados grupos, também permite que se pressuponha determinado horizonte de atitudes, idéias, e posições que eu assuma. Minha primeira revolta, portanto, é contra meu corpo. Mas essa revolta é o tipo de revolta mais nociva de uma pessoa. Lutar contra o próprio corpo.

“Existem coisas das quais não se pode fugir. Ninguém escapa. Ninguém. Cada vida tem o seu tango – e cada tango, tem o seu preço”: esse é um trecho de uma música de um grupo de humor, mas o fato de ter sido escrita por humoristas não faz desse trecho uma piada. Não se escapa do corpo e das convenções sociais sobre ele, e nem das expectativas sociais sobre ele. Meu corpo me pertence (ao menos em tese), mas não posso impedir que ele seja uma barreira intransponível para o resto do mundo. Nem mesmo eu consigo superar essa barreira…

Eu li Sartre pela primeira vez aos 14 anos. “Li” é modo de dizer, mas me inteirei dos assuntos e das opiniões dele. “As pessoas estão condenadas à liberdade”, não possuímos regras de como viver, do que é certo, errado, justo, injusto, bom, mau, nada. Simplesmente isso. Estamos aí, e vamos levando. Isso foi, na época, libertador. Quando você tem 14 anos e tudo parece conspirar contra você, isso é libertador. Ao menos para mim foi. Hoje isso é uma coisa cinza. A liberdade, para mim, pesa. Por teimosia, ainda defendo-a. Mas ela não tem mais o brilho e a festa que tinha nos meus 14 anos. Cabeça-dura que sou, eu deveria me convencer de que o mundo é assim mesmo e eu tenho mais é que me preocupar não com a liberdade de quem quer que seja, mas com a minha. Vamos ver quanto tempo ainda dura minha teimosia.

De Sartre para Simone de Beauvoir foi um pulo. “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Dito em outras palavras, escritas com uma faca na mesa em um filme, “não há destino”. Isso é muito alegre, até é mais libertador do que o que li de Sartre. Simone de Beauvoir falava do segundo sexo, mas, querendo ou não, falava de tudo: ninguém nasce nem o que é, nem o que não é, nem nasce querendo ser o que quer ser, nem nada. Não nascemos como uma tábula rasa, mas nada na formação psíquica de uma pessoa obriga-a a ser assim ou assado. Quer dizer: uma criança rejeitada ao nascer vai ter uma configuração psíquica bem diferente da de uma criança desejada, mas nem uma condição nem outra obriga a qualquer coisa.

O que, afinal de contas, eu quero dizer, é: SIM, você é o que você quer. E NÃO, você o que lhe permitem que seja. Ou seja: você é o que você quer dentro de um limite pré-estabelecido socialmente.

Meu problema: eu não me encaixo nos limites. Simples assim. eu poderia até permanecer dentro dos limites e ser uma coisa extravagante, estranha. O extravagante e o estranho estão dentro dos limites. Mas eu ultrapasso até estes limites.

Isso cansa dia a dia. Somado a cretinice diária das pessoas, e às pessoas conscientemente ou não nocivas que encontro, fode tudo.

E eu descobri tarde demais que McGyver era só um filme, no final das contas.