Vamos supor que eu tenha entendido Deleuze. Deleuze, para quem não sabe, é um autor francês.
Não vamos supor que eu tenha entendido TODA sua obra. Só uns pedaços. E trata-se de uma suposição.
Se eu tivesse compreendido, eu diria que, segundo ele, filosofia é criação de conceitos.
E, como Tíbio e Perônio, eu diria mais. Diria que é uma criação de conceitos segundo as necessidades do tempo e do espaço onde está inserida a criação desses conceitos.
Por isso conceitos estão sempre em movimento, em devir. Devir-mulher, devir-criança, devir-homem, devir-amor, devir-vida. Coisas assim. Devir-coisa.
“Mulher”, por exemplo, não é o mesmo que era quando minha avó nasceu. Ela tem uns oitenta anos. Não se trata de um saudosista “é mesmo…” nem de um progressista “é mesmo!!”. Se trata de que “mulher”, ou as pessoas a quem correspondiam esse conceito, não podiam – muita coisa, como – usar calças. “Mulher” e “calças” eram dois conceitos separados um do outro. “Mulher de calças” ou era piada ou não era mulher. Ou não eram calças.
Para que “mulher” e “calças” pudessem andar juntas, algumas dessas pessoas a quem correspondia o conceito “mulher” tiveram de sair de seu território, o território das saias, e vestir calças, sem ser piada, e sem deixar de ser calças. A questão é: como não deixaram de serem “mulheres”?
Mudaram as calças? Aquelas pessoas mudaram? Calças, independente da cor e do formato e do tecido, seguem aquele princípio básico de duas pernas até as canelas unidas pela parte que cobre a pélvis e a bunda, culminando na cintura. E não consta que úteros, vaginas, seios, ossos, pele ou qualquer coisa assim tenha desaparecido daqueles corpos, e nem que nada diferente tenha brotado neles. Mudou a “mulher”, quer dizer, o conceito “mulher”.
Mudado o conceito (“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”, mas não só aí), o feminismo pôde queimar sutiãs, e fazer a baderna que fez – e que deveria fazer ainda, pelo menos mais do que faz, na minha superficial opinião.
Mas um conceito muda de cá prá lá, de grupo para grupo, de pessoa para pessoa (Martha Medeiros escreveu um artigo em que dizia que, pedindo-se para um homem descrever “mulherão”, ouviria-se algo sobre os peitões, o bundão, a cinturinha, etc, e, pedindo-se para uma mulher descrever um mulherão, ouviria-se coisas sobre trabalhar fora e dentro de casa, criar os filhos, cuidar do corpo, subir escadarias de salto alto, essas coisas – por exemplo).
Por isso, trata-se de, em filosofia, criar conceitos, que sejam funcionais a algo – o conceito de “mulher” de uma católica radical é bem diferente do conceito de “mulher” de uma lésbica apaixonada, embora ambos incluam certas coisas em comum, por exemplo.
Mas eu não entendi Deleuze, portanto, ainda não posso dizer nada disso.