Trabalho e música


Texto para um trabalho de faculdade para discutir a letra da música Até Quando

>Não adianta olhar pro céu
Com muita fé e pouca luta

A religião sempre foi um tema em evidência no Brasil, e se no passado determinava os rumos políticos do país porque no mundo todo era mais ou menos assim que as coisas funcionavam (ainda que no tempo em que a Igreja Católica existia em um sistema de padroado no país, sua influência em todo o mundo já começava a diminuir por causa do Iluminismo), desde 2018 tornou-se o arremedo de uma teocracia, já que é governado em nome de Deus sem, no entanto, levar muito em conta os seus critérios.

Assim, uma ideia que já vinha definhando dentro e fora do catolicismo, a de que (parafraseando o trecho da música destacado) adianta sim olhar pro céu com muita fé e pouca luta, retomou força, mesmo que agora assentada na política misturada não apenas com a religião, mas também com os quartéis – a ponto de vermos padres abençoando armas, a primeira-dama utilizando espaços civis como igrejas e militares agindo pretensamente em nome de Deus, protagonizando uma triste comédia em que a política, a religião e as forças militares se descaracterizam até perderem o sentido, ou parecerem perdê-lo, o que deve ser mais adequado às intenções das forças políticas que dominam o país.

Olhar para o céu não é uma questão de resultados (ou seja, de adiantar ou não), mas de necessidade, e olhar para ele "com muita fé e pouca luta" revela mais o quanto não há do que o quanto há de fé neste olhar.

>Acordo, não tenho trabalho, procuro trabalho, quero trabalhar

>Consigo um emprego, começa o emprego, me mato de tanto ralar Acordo bem cedo, não tenho sossego nem tempo pra raciocinar

A dessacralização em sentido estritamente religioso promovida por este governo e pelas forças que o sustentam ultrapassa o aspecto religioso para dessacralizar também coisas laicas (como a política e a disciplina militar, mencionadas em relação ao trecho anterior da música), incluindo aí o valor do trabalho. Sabemos que o desemprego fragiliza muito as relações trabalhistas, já que o funcionário passa a "valer menos" sob a alegação de que a fila do desemprego está maior, muito maior, e então se ele quiser melhores condições, que sinta-se livre para ir procurar em outro lugar, já que o patrão não vai ficar sem alguém para pôr no seu lugar. Se antes o trabalho tinha um valor "sagrado", hoje esse valor dessacralizado foi substituído pela ilusão do empreendedorismo e da "pejotização", que fragiliza os trabalhadores mas fortalece os empregadores, que têm menos deveres para com seus empregados e ficam livres para explorá-los mais. Nem tudo é dessacralização neste governo, afinal: o patrão torna-se cada vez mais divinizado, ao menos para o governo.

As duas realidades retratadas nos trechos citados, embora sejam diferentes, estão profundamente ligadas e não é possível falar do desemprego sem falar da precarização do trabalho.

Foto por Magda Ehlers em Pexels.com