O primeiro a dizer é que zakar (qal), mimneiskomai (“lembrar/lembrar-se”), na Bíblia, não é mera ação de uma subjetividade que se aferra ao passado. Não é retrospecção histórica ou psicológica.
Poderia dizer-se que “lembrar” é um verbo performativo, realiza algo, expressa uma ação com consequências para o presente e o futuro e, com isso, uma ação que, desde o passado, irrompe no presente, abrindo futuro. Para tomar um caso profano, não litúrgico, pense-se na “recordação” do copeiro do Faraó em Gn 40,14.23 e 41,9.
“Lembrar-se” de José é intervir em favor dele. Quando o mesmo verbo aparece no contexto religioso do culto ou da oração, sua dimensão performativa se reforça, pois, quando Deus “se recorda”, atua salvificamente de acordo com suas promessas. Basta considerar que, em 68 ocorrências veterotestamentárias do verbo zakar em qal (um dos modos da conjugação verbal do hebraico), Deus é o sujeito do “lembrar-se” e o objeto é sua ação em prol da humanidade, e quando o sujeito de zakar é o ser humano, 69 vezes o objeto do ponto de vista gramatical é Deus ou sua ação salvífica.
Essa menção significa que o passado recordado se torna atuante, cheio de eficácia de salvação. Tal perspectiva é comprovada pelo oposto, quando se considera um texto como Sl 34,17 ou 9,7: Deus apaga a lembrança do ímpio. Seu desaparecimento, como se nunca tivesse sido, é atribuído a Deus.
De onde se deduz que o “recordar-se” de alguém, por parte de Deus, é algo que pertence, por assim dizer, à ordem ontológica, é existir diante de Deus e pela ação de Deus. “O ser humano vive, porque Deus se lembra dele e este tem o dever de louvar a Deus, lembrando suas maravilhas” (EISING, 1977, p.586). Por parte de Deus zakar é uma ação criadora em favor de seu povo (cf. EISING, 1977, p.591). O “lembrar(-se)” é, pois, eficaz, produz efeito.
Enciclopédia digital Theologica Latinoamericana. Memorial.
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