A voz do silêncio

«A palavra e o silêncio não são opostos, mas são como as duas faces de uma mesma moeda: aquele que ora não tem que escolher um e renunciar ao outro, mas conciliar os dois e mostrar que ambos são necessários para veicular a experiência vivenciada na oração. Deus colocou no ser humano uma necessidade e uma capacidade seja de silêncio seja de expressão verbal. O silêncio se situa entre dois exercícios de linguagem: ele procede da palavra e a ela reconduz. A linguagem da oração, porquanto se sirva de palavras, encontra-se sempre diante da dificuldade para exprimir o indizível.

Na oração, falar significa lutar contra a insuficiência e inadequação das linguagens existentes. Por esse motivo, muitas vezes, os grandes orantes preferem o silêncio à palavra. A linguagem deles busca indicações, alusões, um tatear na obscuridade para pronunciar o Inefável. É uma linguagem incerta que só pode balbuciar diante do que é transcendente.

Em uma verdadeira comunicação, silêncio e palavra devem por força sucederem um ao outro em uma verdadeira ética de comunicação, porque toda pergunta pede uma resposta, toda afirmação exige um deter-se para refletir sobre o seu peso, todo diálogo provoca uma deliberação recíproca (cf. LE BRETON,1997, p. 17).

Não existe palavra sem silêncio: As palavras dão significado ao mundo, nos permitem compreendê-lo, tocá-lo, são o instrumento para fazê-lo comunicável, mesmo se muitas vezes de modo imperfeito e limitado, porque o mundo está sempre em movimento e em uma complexidade crescente. O discurso não poderia existir a não ser na relação recíproca entre silêncio e palavra. O silêncio não é uma escória, um resto, um vazio a ser preenchido. Linguagem e silêncio se misturam na expressão da palavra: assim que podemos dizer que todo enunciado nasce do silêncio interior do indivíduo sempre em diálogo consigo mesmo. Toda palavra é precedida por uma voz silenciosa, por um sonho despertado repleto de imagens e pensamentos difusos sempre atuantes no nosso coração. Esse mundo caótico e silencioso jamais se deixa calar, carregado como é de desejos, emoções, e prepara uma formulação que surpreende com frequência quem a emite (cf. LE BRETON,1997, p. 19).

O que nos faz acreditar em um pensamento que existiria por si antes da expressão são os pensamentos já constituídos e já expressos que nós podemos reevocar a nós silenciosamente e para os quais nós nos damos a ilusão de uma vida interior. Mas na realidade esse silêncio presumido é vibrante de palavras, essa vida interior é uma linguagem interior (MERLEAU-PONTy, 1945, p. 213).

As palavras na sua trama de silêncio: Se a presença do ser humano é antes de mais nada aquela da sua palavra, ela é também inelutavelmente aquela do seu silêncio. A relação com o mundo não se trama somente na continuidade da linguagem, mas também nos momentos de suspensão, de contemplação, de retiro, isto é, em todos os momentos em que a pessoa se cala. Palavra e silêncio se misturam na conversação para conduzir a uma troca. Quando o homem se cala, isso não significa que se comunique menos. O silêncio não é nunca um vazio, mas o sopro entre as palavras,a réplica curta que autoriza a circulação de sentido, ou a troca de olhares, das emoções (cf. LE BRETON,1997, p. 25-27).

O silêncio põe a palavra em movimento, dando-lhe um ângulo particular. O ritmo do silêncio e da palavra cria a possibilidade da troca: as vozes, os olhares, os gestos, a distância que se mantém entre um e outro, tudo isso doa uma contribuição à circulação de sentido. Nenhum homem é reduzível somente ao seu discurso: o conteúdo da palavra é somente uma dimensão do processo da comunicação: as pausas, os modos de falar ou de calar, os silêncios, são igualmente decisivos. A voz se interrompe às vezes, retoma o seu sopro, deixa ao outro o tempo de uma réplica. Os breves silêncios que ornam a discussão permitem um átimo de reflexão antes de prosseguir com o raciocínio, verificando o acordo do outro com respeito a uma proposta susceptível de provocar uma divergência de opinião. Sem o reverso do silêncio, a comunicação seria impensável.

Por isso, uma oração silenciosa não é uma oração fracassada, onde não se deu o diálogo com o Senhor. Mas uma oração fecunda, profunda, cheia de afeto, expressão de um amor onde as palavras sobram.»

Alfredo Sampaio Costa. A oração como um falar e calar. Algumas questões sobre a linguagem da mística.

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