São 01:30, e eu tenho que acordar às 06:45. A falta de sono aliada à falta de assunto me leva a falar sobre o que eu estudei a maior parte do semestre: Spinoza.
Começando pela grafia do nome: você pode encontrar tanto Spinoza, quanto Espinosa ou Espinoza. Os dois últimos nomes me lembram “espiga”, por isso eu prefiro o primeiro – pura frescura minha.
Bem, o que Spinoza tem de bom?
Eu não sei, porque faz pouco tempo que o estudo. Mas, até onde entendi, a concepção que ele tem do mundo é fascinante.
Não vá colocar essas coisas numa prova – sei lá se entendi tudo o que li – mas, para ele, existe uma única Substância. Tudo o que você conhece – e também o que não conhece – constitui-se, bem lá no fundo, dessa Substância (afirmação meio incerta).
Mas essa Substância possui dois modos de ser: Natureza e Deus. Não se tratam de duas coisas diferentes, separadas: Deus e Natureza são a mesma Substância, mas com atributos diferentes. Quer dizer, cada um dos modos reúne diferentes atributos. Alguns atributos são comuns a ambos os modos, mas outros são exclusivos de um ou outro.
Daí segue o de sempre: Deus cria a Natureza e imprime nela suas leis, que nem no catecismo, por exemplo. Mas, de diferente do catecismo, tem o seguinte: “Deus cria a Natureza” é o mesmo que a substância criando-se a si mesma, o modo criador é Deus, e o modo criado, Natureza. As leis divinas impressas na natureza não são normas, convenções, mas leis naturais, do tipo “você não pode lamber seu cotovelo” ou “você somente pode fazer aquilo que você tem capacidade de fazer”. Não são leis do tipo “faça isso assim ou assado”, mas sim do tipo “se é possível, você pode, se não, não pode”.
Como essa Substância existe e não pode não existir (do contrário nem eu nem você existiríamos), os modos também precisam necessariamente existir. E os atributos dos modos também. Nós – pessoas, plantas, animais, minerais, vento, fogo, etc – somos atributos de um dos modos (da Natureza), portanto, estamos sob a lei de existir, cada pessoa tem que manter a continuidade da sua própria existência. O poder de manter a própria existência vai de cada pessoa, mas, no geral, uma pessoa sozinha não tem muito poder para isso.
Assim, como meio de manter a própria existência, constitui-se a sociedade. A sociedade, portanto, serve para garantir a existência, a continuidade da existência das pessoas. Esta sociedade terá, ela própria, poderes sobre as pessoas, que serão gerenciados ou por um rei, ou por uma elite, ou por todos juntos. Quem quer que seja que torne-se responsável pela administração dos poderes da sociedade precisa prestar a atenção em duas coisas:
a) na obrigação de cumprir a função da sociedade, que é a de proteger a existência das pessoas;
b) no cuidado para não oprimir as pessoas sobre as quais tem poder, pois se um grande número de pessoas estiver insatisfeita, poderá se rebelar e acabar com a sociedade.
Assim, as pessoas, dentro da sociedade, com a continuidade da sua existência garantida pelo Estado, podem viver as suas vidas, desenvolverem-se como quiserem, etc.
Quais as consequências dessas idéias? (na minha opinião, claro)
I) qualquer que seja a divindade em que se acredite, ela não é diferente da Natureza; você até pode não acreditar em divindade alguma, mas não pode duvidar da natureza (se duvida, experimente colocar sua cabeça dentro da boca de um leão selvagem esfomeado). Quer dizer, ou você respeita a natureza porque ela é sagrada, ou porque ela é mais forte do que você.
II) o Estado (= sociedade) existe para garantir a continuidade da existência de cada pessoa desse Estado. Se não o fizer, quem não recebe esta proteção não tem a menor obrigação de respeitar o Estado. Como o Estado é muito forte, uma pessoa sozinha insatisfeita se dá mal; mas muitas pessoas podem, unidas, lutar contra um Estado que não cumpre sua função; da mesma maneira, o Estado não pode oprimir demais as pessoas, senão elas juntam-se e acabam com ele. O Estado pode, claro, tentar fazer parecer que tudo está bem, mas só vai durar enquanto conseguir enganar as pessoas. Hoje em dia, as pessoas não se dão conta disto: uma imensa maioria é oprimida por um Estado que serve aos interesses de uma minoria. Enquanto todos acharem que o Estado é mais importante do que elas próprias, vão continuar servindo de tapete para uma meia dúzia pisar em cima. Não se trata de uma luta contra proletários X burgueses, por exemplo, mas sim de uma tensão entre pessoas que não têm suas vidas asseguradas pelo Estado com pessoas que têm essa segurança. Essa balela de “Estado mínimo” serve apenas para estimular um Estado enxuto que garanta a existência da minoria. Portanto se você se sentir relegado pelo Estado, junte-se a outras pessoas na mesma situação e dê um jeito.
III) tudo é uma questão de forças: quem é mais forte pode mais do que quem é mais fraco. O Estado deveria impedir que umas pessoas fossem mais fortes do que outras, mas não faz isso. Só que essa relação de forças não vale somente para a relação entre os indivíduos: vale entre todas as coisas, inclusive entre a sociedade e a natureza. Isso quer dizer que somos uma sociedade de kamikazes, que lutam contra a natureza que, pelo que me consta, é mais forte, e vai vencer a briga – isso vale tanto para quem efetivamente destrói a natureza (quem faz queimadas, polui o mundo com coisas químicas, mata bichos, etc), quanto para quem não faz nada (os mosquitos cada vez mais resistentes a venenos, por exemplo, não querem saber se você polui o mundo ou não quando lhe picam – e nem as enxurradas e outras desgraças naturais desse tipo).
IV) as consequências dos ataques à natureza talvez – talvez – sejam a longo prazo, mas a vida medíocre a que a maior parte das pessoas é submetida atualmente é um fato atual, do momento, deste exato momento. Não tentar subjugar a natureza, e obrigar ao Estado a cumprir sua função – ou acabar com ele caso não a cumpra – são coisas necessárias para hoje, agora, ontem até.
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Pelo menos desta vez foi uma insônia produtiva.