Geometria

Li uma vez em algum lugar, acho que em uma entrevista de Deleuze (talvez o Abecedário, não sei), que direita e esquerda não existem, e nem nunca existiram.

Por outro lado, eu leio muitas manifestações de inflado orgulho em pertencer ou à esquerda ou à direita, e de infladas acusações, ora contra a esquerda-comunista-abortisa-homossexualista-ateísta-etceteraísta, ora contra a direita-conservadora-quadrada-entreguista-elitista-opressora-etc.
A verdade é que todos estão certos (hehe), pelo menos em parte.
Afinal de contas, existe sim esquerda e direita. A Vera Guasso é de esquerda, a Kátia Abreu é de direita, são fatos inegáveis e essas duas mulheres são prova de que existe esquerda e direita.
Mas ocorre que entre esses dois lados existe também o centro, e o PMDB é a prova disto – embora o PMDB seja na verdade unilateral, porque ele está nos dois lados ao mesmo tempo (e acho que também sob o mesmo aspecto, Aristóteles) e esses dois lados são a mesma coisa para o PMDB; enfim, apesar do PMDB existe um centro, que pode estar mais à esquerda, ou mais a direita, ou ser mais centrista mesmo.
Além do centro, da esquerda e da direita, existem as posições à esquerda da esquerda, e à direita da direita. Até aqui temos cinco posições, e o que me entristece é a falta de criatividade da política brasileira em criar posicionamentos. São quase trinta partidos e todos eles se encaixam, aparentemente, nessas cinco posições.
A minha reclamação é: apesar de gostar que haja esquerda, direita e suas variações, a política não deveria resumir-se a esta lateralidade unidimensional.
Lateralidade é essa coisa de direita e esquerda (uma pessoa que não associa o lado o corpo com o nome do lado, por exemplo, tem problemas com a lateralidade – eu, por exemplo), e é unidimensional como uma linha, sempre correndo de lá para cá e de cá para lá, como a equilibrista da música.
As alternativas de posicionamento político ficam, assim, pobres, e essa é, na minha opinião, uma das causas do empobrcimento político no país: esquerda, centro, direita, centro, esquerda, centro, direita… minha avó tem uma máquina de tricô que faz a mesma coisa: tem um carrinho que percorre todo o comprimento de uma das laterais da máquina, onde estão um monte de agulhas e sabe Deus como desse vai-e-vem do carrinho surge uma manta, um blusão ou, antigamente, uma polaina.
Mas se esquerda, centro e direita bastam ao tricô para que ele faça roupas maravilhosas (pelo menos minha avó fazia coisas maravilhosas nessa máquina, mas agora ela está com Alzheimer), talvez não baste para a política.
Espero que nunca deixe de haver esquerda, centro, direita e suas variantes. Mas espero, também, que existam partidos além dessa linha, e que esse partidarismo linear possa virar uma área, um cubo, uma esfera, sei lá, que além de linhas partidárias haja também polígonos, poliedros partidários.