“Senhor Jesus Cristo, que dissestes aos vossos apóstolos: eu vos deixo a paz, eu vos dou a minha paz; não olheis os nossos pecados, mas a fé que anima a vossa Igreja. Dai-lhes, segundo o vosso desejo, a paz e a unidade, vós que sois Deus com o Pai e o Espírito Santo. Amém.
…
Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós.
Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós.
Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, dai-nos a paz.”
Há anos atrás, neste trecho da missa o meu choro era líquido e certo.
Passava a parte do “confesso a Deus todo-poderoso…” e eu seguia firme. Passavam as leituras, às vezes emocionantes, e eu seguia firme. Passava a consagração do pão e do vinho (“na véspera de Sua Paixão ele tomou o cálice…” também é propício a lágrimas e choradeiras para um coração angustiado) mas eu ainda assim seguia firme. Seguia o restante da oração eucarística, pela Igreja, pelos nossos irmãos, pelos mortos (outra oportunidade de choro), e eu nada.
Mas bastava chegar no “Senhor Jesus Cristo, que dissestes…” eu já pensava “não eu não vou chorar” para chegar no “dai-nos a paz” chorando.
Nesta época eu não tinha o que comer nem onde morar (e só fazia essas coisas graças ao favor alheio), não tinha dinheiro para mandar para a minha filha (depois veio o bolsa-família, até me arranjarem um emprego), e nem sabia se eu iria vê-la, pois não sabia o que seria dali em diante.
Embora eu passasse desapercebido pela vida, eu estava em um reequilíbrio contínuo, num desespero constante diante do qual eu só podia tentar buscar um mínimo de auto-controle para não deixar tudo (eu, no caso) ir pelos ares. Todos os dias eu comia “o pão das lágrimas” e bebia “um pranto copioso”.
A paz que Cristo oferece, pelo que posso perceber, não é aquela “Pax Romana”, semelhante à dos cemitérios, mas é uma paz interna. Não depende de se estar em um terreno em paz, mas a própria pessoa se torna um território de paz enquanto transita em diferentes terrenos.
De vez em quando esta paz se abala. Não é que a minha paz fique abalada mas é a Paz de Cristo em mim que eu começo a retirar do meu território – sem querer, quase que imperceptivelmente. E na missa, nesta parte do Cordeiro de Deus, as lágrimas vem mais ou menos como o arco-íris, para recordar: recordar, neste caso, o passado (cujas cicatrizes ainda eu sinto) e o pedido atendido, qual seja, a paz.