Questionáveis sugestões

Li – de relance, nem lembro onde, talvez na semana passada – que a Igreja precisa abolir algumas das suas doutrinas para avançar.

Eu, por outro lado, acho o contrário: o que a Igreja precisa é de radicalizar-se nas suas doutrinas para avançar.

Se a Igreja só ordena homens, resolve-se facilmente o problema ordenando mulheres. Mas isto não vai resolver o problema do machismo que corre solto pelos corredores da Igreja, e ainda por cima (na minha chutologia) vai liberar os homens de uma das poucas funções no mundo em que eles tem que se doar (quase) tanto quanto as mães se doam.

Ordenar as mulheres me parece uma demanda que atende mais aos interesses de padres relapsos (não que seus defensores sejam necessariamente relapsos) do que os interesses pastorais da Igreja. E não é muito diferente de abandono parental: num mundo em que a grande maioria dos homens abandona os filhos deixando-os sob os encargos exclusivos das mães, é coerente que eles deixem também o peso da batina sobre os ombros das mulheres; mas não é por ser coerente que deixa de ser igualmente errado.

Acho que seria mais justo (porque eu também tenho direito de sugerir minhas teorias malucas) criar uma Ordem das Mães ou ressuscitar (não era para ser um trocadilho sacro) a Ordem das Virgens, que existe mas ninguém fala dela, já que no mundo em que vivemos hoje, a virgindade é como um saldo negativo no banco (o que pouca gente sabe é que o saldo negativo do correntista é um saldo positivo pro banco, porque para ele significa um direito à espera de ser recebido – e no caso do sexo, o indivíduo é o banco; embora esta analogia seja um pouco confusa e muito incerta, já que eu nunca entendi direito isto, seja o sexo ou a contabilidade).

Muito parecido com isto é a questão do aborto. Já li (o que tem cara de fake news, mas eu já li mesmo, só não lembro onde nem quando; e preciso considerar a possibilidade de que eu tenha dado importância a alguma leitura irrelevante, mas) já li que seria melhor para a Igreja retirar o aborto do rol de pecados graves; mas o certo (“certo” segundo a minha opinião) seria mesmo reforçar doutrinas favoráveis às mães, como, por exemplo, dar indulgência plenária pra toda mulher grávida, e depois outra quando parisse, e mais outras periódicas, sei lá, a cada aniversário de um filho, ou quando ele casasse, se tornasse padre, religiosa ou religioso. E poderiam, também, dar uma indulgência plenária no fim da vida para os pais que realmente tenham participado ativa e positivamente tanto da criação dos filhos quanto do bem-estar das mães (porque se é verdade que uma mulher casada e com filhos tenha uma dupla responsabilidade para com os filhos e para com o marido, sendo que os filhos são prioridade em relação a ele, também pode ser muito bem verdade que na igualmente dupla responsabilidade do marido para com os filhos e a esposa a prioridade dele seja ela – uma mulher não vale pelos filhos que tem, mas ter filhos multiplica o valor que, sem eles, já era incomensurável). Valorizar a maternidade e a paternidade dá no mesmo que combater o aborto, mas é muito mais benéfico do que montar acampamento na frente do Pérola Byngton – e dá menos ranço, pelo menos em mim.

Acho que há casos em que a boa disposição de alguém se revela em fatos concretos, e é isso que as pessoas cobram da Igreja quando exigem coisas como ordenação feminina, afrouxamento da doutrina em relação ao aborto e outras coisas do tipo (como vender todos os bens do Vaticano ou acabar com a obrigatoriedade do celibato para os padres).
Mas nem sempre acabar com as regras elimina o problema: talvez, aprofundar ainda mais elas seja mais eficiente.
É mais ou menos isto que acontece quando, por exemplo, o Papa resolve incluir mais uma ocasião em que matar é proibido (retirando a licença para a pena de morte do catecismo), ou quando Cristo diz “Não julgueis que eu vim abolir a Lei ou os profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição” (Mt 5, 17).

Não que as minhas questionáveis sugestões equivalham a “levá-los [a Lei e os profetas] à perfeição”. Embora eu ache-as válidas (senão não teria sugerido), todas elas foram só para não ficar apenas nos dois primeiros parágrafos.