As minhas decisões não são um compêndio da doutrina cristã só porque eu sou católico, nem são um modelo a ser seguido ou, pior, um padrão a ser adotado (!), sejam as decisões ruins, sejam as boas, ou sejam as duvidosas.
Um exemplo de decisão duvidosa que eu tomei foi amar sem ser correspondido. É uma “decisão” meio gaiata, porque no fim das contas eu fiz isto a vida inteira, amar sem ser correspondido, querendo ou não. Portanto a decisão não foi tanto amar sem ser correspondido, mas sim continuar a amar mesmo sem a menor expectativa de que eu venha a ser correspondido (embora mantendo uma esperança inversamente proporcional à expectativa).
Essa correspondência tem aspectos, é claro: a garota que eu gosto já gostou de mim, e se ela não me ama foi porque eu pude viver o ciclo completo do amor fracassado, que consiste em se apaixonar, depois ser correspondido, e depois agir de tal forma a perder a chance. Outro aspecto são as duas crianças, um amor independente, porém intrinsecamente relacionado ao primeiro amor. E há ainda o aspecto do respeito que ela tem. O respeito é uma coisa que pode ser conquistada, mas que no caso dela, da garota que eu amo, vem dela, que me respeita menos por méritos meus e sim mais por ela adotar o respeito como uma prática habitual em todos os casos em que ele seja aplicável.
Eu poderia arranjar outra garota (“poderia” num sentido hipotético e fantástico, já que nas poucas vezes em que “arranjei” uma garota, isto aconteceu em circunstâncias bem peculiares; a maior parte da vida amorosa eu fui o personagem da poesia Timidez, de Cecília Meireles); então, corrigindo, eu poderia encontrar outro amor não correspondido, e roer as unhas à espera do efeito deus ex machina das tais circunstâncias peculiares, mais raras do que diamantes.
Não seria um caminho fácil, porém seria o caminho já conhecido, alargado, aplainado e asfaltado da minha vida amorosa, de cuja estrada eu já conheço os passos que não vão dar em nada, pois seus segredos (e as músicas do Secos e Molhados) sei de cor.
Seria, também, um caminho melhor, muito melhor, do que o descaminho das soluções machistas (pois não é por não praticá-lo que sou isento de machismo), que na melhor das hipóteses resultaria em um rancor eterno e (das duas uma) divã ou mesinha de bar. E eu sei que eu escolheria o bar, porque se eu fosse do tipo que escolheria o divã talvez nem tivesse chegado neste ponto, prá começar.
Melhor sofrer por amor do que lutar contra ele (se não aparecer nada melhor até o fim, este vai ser o título deste texto).
O que restou para ser decidido foi se eu continuaria a amar a garota que eu amo para além do sublime “amai-vos uns aos outros”. A minha decisão foi o resultado de uma adaptação particular do conceito católico de matrimônio (não que o matrimônio se reduza ao seu conceito, mas ao mesmo.tempo ele é, sim, conceituável), que resultou no seguinte:
Primeiro, um casamento sem contrapartidas (uma característica que, na inimaginável – porém desejada – e remota hipótese de ela um dia quem sabe querer casar comigo, seria mantida – não por bondade, mas por estratégia porque até certo ponto eu sei com quem eu estou lidando). Isto consiste em não exigir nada dela que seja, a princípio, irrecusável, ou seja, não considerar nada que eu queira dela como algo irrecusável. Ou, dito de outro modo, ela não é, da minha parte, obrigada a nada, e nem eu me dou o direito de obrigá-la em nome de terceiros (as crianças, Deus ou a Igreja, por exemplo – porque, do contrário, isto daria margem a coisas como “não estou exigindo isto por mim, mas sim por/pela [insira aqui as crianças, Deus ou a Igreja]”).
Depois, um casamento unilateral. Para todos os efeitos, eu sou casado com ela, mas esses efeitos só se aplicam a mim: não ficar com outras pessoas, buscar o bem do outro cônjuge, até gerar filhos é um item que já foi cumprido, atender as demandas dela (as que eu posso, porque eu não cumpro 90% das expectativas dela, eu sei). É claro que eu não saio dizendo por aí que eu sou casado (o que soaria até meio doentio), geralmente a minha resposta à pergunta “mas vocês estão juntos?” é “eu não poderia dizer nem que sim, nem que não”, mas considero ofensivo o status de “enrolados” para este caso. “Nem que sim, nem que não” é uma definição bastante objetiva, apesar de ser complexa, e talvez por isto as pessoas associem com “enrolados”, mas são duas coisas completamente diferentes.
A Igreja não determina o que é um matrimônio (põe limites e encontra nele um sacramento, mas não o determina) e eu me aproveito muito desta indeterminação. “Matrimônio”, aliás, é como “vida”, “homem”, “mulher”, palavras que poderiam substituir “liberdade” no verso “… é uma palavra que não há quem a explique nem ninguém que não entenda”.
Talvez eu possa chamar a minha decisão de “compromisso irrevogável unilateral por motivos religiosos, dado em resposta a uma paixão, sem ser abençoado nem proibido pela Igreja”. Mas pode ser que, pelo contrário, haja uma CID para decisões como esta.