Dez talentos

A parábola dos dez talentos, narrada em Mt 25, 14-30 e em Lc 19, 11-27; sempre me assustou muito, porque eu sempre me identifiquei com o infeliz que, temendo o patrão muito rigoroso, enterrou o tal talento para evitar problemas.
Eu imagino que tenha feito isto pensando “bom, assim eu não arrisco perder o talento e aí o homem não me xinga”. Mas o patrão reclama que o servo poderia ter ao menos colocado o talento em um banco para render juros.
O meu medo desta parábola estava em me identificar com o medo conservador do servo, que preferiu manter o talentinho recebido do que tentar fazê-lo valer mais sob o risco de perdê-lo – mas ao guardá-lo bem guardado, perdeu-o do mesmo jeito.
Aí eu percebi um dia destes que o problema deste cara não era zelo, mas sim preguiça. O próprio patrão “explica” isto quando diz que o servo poderia ao menos ter colocado o talento em um banco, onde estaria guardado do mesmo jeito que esteve guardado enterrado mas rendendo juros – só que daria um pouco mais de trabalho (não sei como eram os bancos no tempo de Cristo, nem se “banco” é uma tradução feita para entendermos hoje o que na época era parecido, só que não propriamente um banco, mas bancos dão trabalho e são irritantes; imagine ter que conseguir comprovante de residência e ter os documentos bem conservados naquela época, sem contar o nome limpo, ou melhor, o nome imaculado que eles querem que tenha e sem contar as portas giratórias).
Talvez, afinal de contas, o problema do servo não fosse preguiça, e ele fosse só um conservador por convicção, mas com certeza era, a preguiça, a origem do meu medo desta parábola.
O que Cristo quer que façamos com os talentos que ele nos deu, seja individualmente, seja à Igreja, é que arrisquemos. Preguiça, medo ou excesso de zelo não vão servir como boas desculpas, aparentemente.
E o conservadorismo por princípio (acho eu) muito menos!
E se este texto serve para fazer uma cara feia aos conservadores (que parecem pensar que foi o latim que morreu na Cruz por nós), serve para fazer uma cara feia para mim também. Porque se por um lado eu não posso dizer que eu não arrisque, por outro lado, eu faço isto titubeando tanto que pareço o Dobby carregando o invisível Crouch Jr. consigo ao longo do acampamento da final de Quadribol. Ou como se eu arriscasse mas só depois de dez anos de planejamento e documentos carimbados em vinte vias.
Então acho que este era o meu problema, o do servo mau e infiel – e talvez o dos conservadores de hoje em dia: apenas preguiça. E a falta de confiança em Deus que faz frutificar os riscos assumidos, e tem misericórdia de nós quando tentamos e não dá em nada também.