Os mártires da Igreja podem parecer meio suicidas às vezes, tamanha a sua disposição para morrer. Na verdade, em um contexto de perseguição, eles mantiveram a fé mesmo diante da morte, e o que se celebra no seu martírio é a fidelidade que mantiveram ante a opressão extrema de quem lhes exigiu escolher entre a fé e a vida.
Esta divisão entre fé e vida não existe, mas foi forjada pelos seus perseguidores para forçar aqueles mártires a abandonar a fé em troca de manter a vida. Se às vezes as declarações de alguns deles ou os relatos sobre eles sugerem um desejo pelo martírio, é porque nem sempre as ideias de uma pessoa são muito claras, e nem sempre quem fez um relato consegue evitar um certo sadismo, porque nem os mártires nem quem fez os relatos são perfeitos.
Portanto, descontando os arroubos emocionais do santo e os de quem relatou o martírio dele, o que estes sacrfícios demonstram é justamente o apego à vida – pois a morte injustamente imposta pelo perseguidor não pode vencer a vida, que é mantida por Deus e recebida pela fé depositada Nele.
E é a fé em Deus e na vida que esta fé em Deus torna eterna que Marta afirma quando eleva, com todo o esforço que isto supõe, a fé acima da dor pela morte do irmão. A fé em si, por mais indispensável que seja agora, é passageira – pois junto a Deus no céu não será mais fé e sim realidade plena; a fé se orienta a Deus e, por causa disto, à vida. E é por isto que tanto os mártires quanto Marta fazem o mesmo movimento: submersos na dor, no medo e no desespero, elevam as mãos acima da superfície das águas do sofrimento segurando nelas a fé em Deus. E o fazem não porque isto impeça o sofrimento, mas permitem que Deus em seu coração segure esta onda, ou seja, deixam-se amparar por Deus, enquanto sofrem.
Se por um lado o sofrimento não pode ser evitado, também não deve ser procurado. O que se deve tentar evitar são as situações que levam ao sofrimento, dentro de um contexto razoável, é claro.
Mas como na alegria podemos manter a fé em Deus, no sofrimento também podemos. Não que isto seja tão fácil de fazer quanto é fácil de escrever. Mas os momentos de alegria são um bom espaço de treinamento para manter a fé não por causa da alegria, mas ao mesmo tempo e apesar dela. Por que é do mesmo jeito que é necessário manter a fé nos momentos de sofrimento: ao mesmo tempo que ele, e apesar dele. Porque a alegria se mantém sustentada por causa da fé, e o sofrimento, pelo contrário, só se dissolve pela mesma fé que pode manter a alegria.