A vida antes da vida

Apesar de ter criado não só tudo o que existe, mas também a vida que há na criação, Deus ainda é acusado de ter sido, no Antigo Testamento, uma espécie de assassino exterminador sanguinário. Sendo Deus a Vida e tendo compartilhado-a com o ser humano que criou, Deus também insiste (apesar das acusações) em manter a vida de quem criou e vivificou.

Neste trecho de Ezequiel, Deus ainda deixa claro, de maneira literal, objetiva e direta, que a morte não é seu negócio, mas sim a vida. Muitas vezes o caminho de conversão, e o caminho da pós-conversão também, é um corredor apertado feito com paredes de espinhos, mas os espinhos, que foram criados por Deus, é verdade, no entanto não foram colocados por ele lá. Fomos nós (coletivamente, não eu ou você) que colocamos ou deixamos colocar estes espinhos lá, e se é verdade que a morte não é uma consequência necessária da liberdade, também é verdade que é consequência de escolhas possíveis (embora não recomendadas) possibilitadas pela nossa liberdade. Mas a conversão é converter-se à vida, onde a morte, como uma muralha inevitável que limita a vida, foi ultrapassada por Cristo na sua ressurreição – e a conversão consiste justamente em não deter-se nos muros da morte durante a vida, e ultrapassar a grande muralha da morte ao fim da vida, outrora intransponível, seguindo os passos de Cristo.

Nestes tempos de intolerância, quando muitos de nós erguem muros de intolerância fatal contra negros, indígenas, homossexuais, mulheres, crianças, idosos, estrangeiros, pobres e qualquer outra pessoa que ameace o resquício de poder vazio que possuem, Deus não só tolera os fomentadores da morte como também insiste em oferecer-lhes a conversão à vida.

Esta vida que Deus nos oferece já nos foi dada, primeiro na criação do mundo, e depois na ressurreição de Cristo (a árvore da vida, preterida em prol da outra árvore por Adão e Eva e então inacessível a partir de sua queda, agora tem seus frutos à nossa disposição). Se esta vida se parece com uma obra do governo inaugurada às pressas para ganhar votos, é porque Deus (que não inaugura nada às pressas e não depende destes artíficios para ganhar votos) nos quer construindo, junto a ele, a vida inacabada que temos. 

A julgar pela eficiência da cultura de morte que construímos com os dons que Deus nos deu, se usarmos esses dons para a construção da vida que Deus pede de nós, ela pode ficar maravilhosa.