O dogma da Imaculada Conceição de Maria

 

 

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Normalmente o dogma da Imaculada Conceição de Maria está associado à necessidade de que o corpo humano que gestaria o corpo humano-divino de Cristo deveria ser tão puro e santo e santo quanto pode ser um ser humano, então, para não macular o corpo do Filho de Deus, a sua mãe foi preservada, por uma graça de Deus, do pecado original.

No documento em que proclama este dogma, o papa ressalta que, no fim das contas, foi uma graça “desnecessária” dada por Deus a Maria, pois Deus é Deus mesmo que nascesse de uma pecadora.

Como todos estes textos não são estudos sobre os dogmas, mas a minha opinião sobre o significado deles, a minha opinião é que:

a) por muitos e muitos anos as mulheres foram associadas a Eva como a tentadora de Adão. São Paulo também diz isto em alguma de suas cartas mas este deveria ser um assunto apenas secundário, sem muito valor, como o vinho que o apóstolo recomenda que (se não me engano) Tito beba com frequência ou a capa que ele pede para que não sei quem traga não sei de onde o apóstolo a esqueceu. É um assunto menor porque, ao mesmo tempo em que Eva pode ser, sim, considerada a tentadora de Adão, Adão poderia muito bem ter sido associado à fraqueza de quem cai em tentação e portanto não merece confiança – ou a merece tanto quanto quem o tentou. A maldade que reina no coração humano facilmente associa Eva à tentação, responsabilizando tacitamente, por esta associação, as mulheres pela violência que sofrem dos homens, como se, assim como Eva tentou Adão, toda e qualquer mulher, por extensão, fosse uma tentadora de homens por definição. Uma argumentação destas pode até um dia ter feito algum sentido, pois não se pode contar sempre com a inteligência de quem argumenta nem de quem aceita um argumento assim. Mas ao afirmar a Imaculada Conceição de Maria, o que nem precisava de argumento para ser defendido, que é o absoluto respeito às mulheres, agora tem. A má-fé de quem se utiliza das imagens religiosas consiste, também, em exigir uma contra-argumentação religiosa. Um sujeito que justifique, nem que seja apenas para si, que fez o mal que fez (ou que apenas pense o mal que pensa) porque, afinal, está diante da impureza de Eva, normalmente não aceita o que é apenas óbvio (ou “inscrito por Deus na consciência humana” na linguagem das doutrinas da Igreja) e não vai se convencer, portanto, apenas pela sensatez de que a culpa da violência é de quem a comete e não de quem a sofreu (uma pessoa pode se colocar em situações de perigo e ser responsabilizada por isto, mas este é o caso de um acidente, de algum infortúnio, e uma pessoa que comete uma violência não é um acidente e nem um infortúnio). Assim, o dogma da Imaculada Conceição é o argumento irrefutável contra quaisquer desculpas que recorram a associação das mulheres com Eva – um argumento irrefutável porque o dogma é, por si mesmo, irrefutável: se no Antigo Testamento Eva era a imagem da mulher, a imagem feminina do Novo Testamento é Maria, concebida sem pecado original e, portanto, sem associação nenhuma da feminilidade à impureza nenhuma. Não que todas as mulheres sejam Maria, mas a partir da sua Imaculada Conceição qualquer ideia que se faça do que seja a feminilidade não inclui mais associação alguma com pecados, impurezas e tentações nesta ideia.

b) o outro significado é que recebemos de Cristo a promessa de nos livrarmos de todo e qualquer pecado graças a sua ressurreição. Mas esta libertação do pecado não é somente o fim da história, pois está também no seu início. Se a história da salvação passa, logo em seus primórdios, pelo pecado original (sob o jugo do qual ainda vivemos, pois o batismo elimina o pecado original mas não a fragilidade que ele deixa na alma), o ato final desta história que começa no Novo Testamento começa por uma graça, a Imaculada Conceição de Maria, dada tão gratuita e livremente por Deus a ela como as graças  que ele nos dá.