Enquanto Deus é grandioso, onipotente, inefável (uma palavra que eu nem sei direito o que significa, mas soa bem quando se refere a Deus), nós, humanos, somos humanos, impotentes, etc.
Em torno dos anos 400 as pessoas debatiam como as duas naturezas de Cristo, a humana e a divina, se “acomodavam” em Cristo, afinal era possível que a natureza divina domasse a humana para Cristo fazer o seu trabalho santo, ou que a Segunda Pessoa da Ssmª. Trindade tivesse sequestrado para si o corpo e a alma que estava dentro do útero de Maria depois do seu Sim. Talvez fosse um Cristo internamente dividido, e sua parte humana dissesse “ah, vou deixar o Pai de lado e fugir para morrer em paz”, como muitos anos depois aconselhou Raul Seixas, e a parte divina dissesse “não, vamos em frente!”; talvez a parte humana ficasse quietinha no seu canto, só observando Deus tomar as decisões no seu corpo – as possibilidades são infinitas.
Mas a Igreja decidiu afirmar que as duas naturezas de Cristo, mesmo bem diferentes uma da outra, agiam em harmonia completa, orientadas para o mesmo objetivo, as duas sentindo as mesmas coisas, no mais completo acordo entre si quanto ao que fazer, dizer ou pensar. Afinal, qualquer outra alternativa que não fosse esta faria de Deus um invasor de corpos, ou deixaria Deus confinado em um plano metafísico (como um espírito possuindo um corpo), etc. E o melhor meio de expressar isto é determinar de quem Maria é mãe: da natureza humana que ela gerou? Da natureza divina que gerou ela?
Seria razoável considerar que Maria era mãe de Cristo quanto a sua humanidade, restringindo-se a ser mãe apenas deste aspecto de Cristo. Afinal Deus já existia e ela não gerou Deus. Mas isto redividiria Cristo em dois. Por isto, no concílio de Éfeso a Igreja decidiu que ela era Mãe de Deus.
Quando Maria gerou Cristo, Deus não adentrou um corpo alheio presente no útero de Maria, mas formou um corpo humano, como o de qualquer outro humano, para si – o que faz de Deus também um ser humano tão humano quanto nós. As duas naturezas, a divina e a humana estão tão unidas entre si a ponto de ser impossível dizer uma coisa de uma sem automaticamente estar dizendo o memo da outra. Então, se Maria é mãe de Jesus, necessariamente também é mãe de Deus.
Isto pode soar um tanto quanto ousado, dizer que uma criatura pariu a Deus, amamentou Deus, limpou a (que Deus não me castigue) bundinha suja do Bebê-Deus, mas é isto que a união perfeita das duas naturezas em Cristo significa: Deus não veio a nós como um extraterrestre, mas como um ser humano terráqueo comum, sem no entanto deixar de ser Deus eterno e todo-poderoso, criador do céu e da Terra e por aí vai.
Maria ser mãe de Deus significa que a presença de Deus é mais do que um símbolo, uma representação, uma alegoria ou uma metáfora, mas é tão real e concreta quanto qualquer coisa real e concreta que possa existir. Isto é necessário para não fazer de Deus um Deus alheio, ocupado em lustrar o seu trono divino que pode até vir nos salvar, quem sabe, mas depois de regar o jardim divino e fazer uma inspeção celeste enquanto a gente se vira por aqui.
Por isto que se é verdade que Cristo é a água viva que nos sacia e o alimento que nos dá a vida, também é verdade que quem patrocina isto, por uma graça de Deus, é Maria, que nos oferece seu Filho.